(Foto tirada em uma vez que me perdi e me vi no meio de uma construção sem saber qual caminho seguir) |
Sempre achei a teimosia uma característica positiva,
mas de vez em quando ela me revela sua dualidade, em especial quando eu me
perco. Como eu já disse em textos anteriores, eu gosto bastante de andar e
sempre opto por fazê-lo se tiver a oportunidade, pois me sinto muito mais
livre. Sempre que vou fazer uma rota nova, pesquiso no Google Maps e desenho um
mapa em uma folha de papel, porque não confio muito na bateria do meu celular
(analisando bem, confiar em um mapa precário e mal desenhado também não é lá
muito seguro). A quantidade de vezes que já me perdi é tamanha que, assim como
os carros que estão quase sempre me atropelando, se tornou uma situação
cotidiana.
A primeira vez em que me perdi, quando a Kim ainda
morava aqui, foi uma das mais memoráveis. Se perder com ela nunca foi
assustador, afinal, independente do que pudesse acontecer, ao menos estávamos
juntas e ter uma pessoa aos seu lado em momentos como esses ajuda bastante
psicologicamente – é mais difícil, ao menos para mim, entrar em desespero se eu
sei que não estou sozinha.
Logo que chegamos na China, nossa host-family
costumava nos deixar e nos buscar no local de trabalho; isso, porém, só durou
uns dois dias. No primeiro dia em que precisamos voltar para casa sozinhas, Kim
e eu nos perdemos – junto com uma voluntária local que estava tentando nos
ajudar. Enquanto ainda estávamos no metrô, o inglês da voluntária se mostrou
bastante precário, uma vez que acontecia de dizermos uma coisa, ela negar e
repetir exatamente o que havíamos dito. Uma das cenas foi a seguinte:
-
Cindy,
precisamos voltar para casa de metrô, porque nossa família não pode nos buscar,
você pode nos ajudar a pegar a linha certa?
-
Não, sua família
não vem buscar vocês, então acho que vamos precisar pegar o metrô.
-
Sim, mas você
vai com a gente?
-
Não, nós vamos
de metrô, não podem vir buscar vocês.
-
Certo... E quando
chegar você pode nos ajudar a chegar em casa?
-
Eu vou ajudar
vocês, a família não pode buscar, vamos de metrô.
-
Mas depois do
metrô, você vai sair da estação com a gente?
-
Sim, vamos de
metrô até a casa de vocês.
-
Ok... E depois?
-
Como assim?
-
Depois do metrô
você vai nos deixar em casa?
-
Não, sua família
não pode buscar vocês, vamos precisar ir de metrô.
Na realidade foi ainda mais frustrante do que pode
parecer, porque demorou muito tempo até que conseguíssemos nos entender. E
depois disso precisamos encontrar nossa casa. Descemos na estação que nos
pareceu a certa e começamos a andar na direção que parecia ser a da nossa casa.
Andamos por um tempo, até que passamos a estranhar a demora para chegar –
naquela manhã havia sido uma caminhada bem rápida da casa até a estação, já
deveríamos estar na frente do condomínio. Um pouco confusas, decidimos voltar,
mas nada parecia familiar.
Pedimos para a Cindy usar o GPS dela para encontrar
nossa casa, o que, claro, ela levou um tempo para entender. Quando ela nos
mostrou o mapa e começou a nos guiar pelo suposto caminho certo, duvidamos
bastante dela, o tempo todo ficávamos pensando que ela estava errada e que
iríamos acabar bem mais longe, afinal, depois daquela primeira conversa, ela
não tinha se mostrado a pessoa mais confiável do mundo. Além disso, em
determinado momento tentamos pegar um táxi, mas nenhum taxista aceitou nos
levar porque supostamente não sabiam onde o condomínio ficava – o que só nos
fazia desconfiar de que deveríamos estar muito longe. Sendo assim, chegar pouco
tempo depois foi uma verdadeira surpresa. Agradecemos bastante a ajuda da Cindy,
mas não paramos de duvidar de seu inglês.
Outra situação mais recente, que me aconteceu depois
de a Kim ter voltado para a Malásia, só aumentou minha desconfiança – nesse
caso não só no inglês, mas também na habilidade das pessoas de encontrarem as
rotas certas. A sensação de se perder sozinha foi terrível, com certeza, e a
única coisa que me tranquilizou foi o fato de estar na China – sabia que, mesmo
perdida durante a noite, ao menos estava segura.
Geralmente procuro manter a calma em situações que
fogem do meu controle, mas antes me permito sentir um pouco de medo, afinal, é
o mais natural de se ocorrer. Nesse caso, mais do que medo, senti um pouco de
frustração por não ter ido a pé. No fim das contas, porém, foi uma experiência
nova e positiva, porque aprendi a não confiar em pessoas que dizem que sabem
qual é o ônibus certo e pude dar uma volta e conhecer partes novas da cidade. Mas
vamos logo ao episódio.
Depois do trabalho, fui para a universidade jantar
com minha amiga, Nut, e na volta pretendia voltar a pé. Quando eu estava
traçando minha rota, Nut começou a insistir que seria muito mais rápido voltar
de ônibus, supostamente apenas dez minutos. Eu deveria ter desconfiado dela,
porque quando pedi uma bateria portátil emprestada para carregar meu celular
ela disse que não tinha e, uma hora depois, quando eu estava desesperada
procurando uma tomada, ela me ofereceu sua bateria portátil emprestada. Assim
como a Cindy, ela não estava se mostrando uma das pessoas mais espertas da
China.
Eu não gosto muito de andar de ônibus aqui porque não
consigo ler em mandarim o suficiente para saber onde estou a cada parada, fora
que geralmente eu acabo me sentindo claustrofóbica e desconfortável. Quando
estou andando tenho a liberdade de virar e fazer outro caminho se precisar, mas
dentro do ônibus eu dependo completamente da rota que ele vai traçar e, se eu
pegar o ônibus errado, vai ser muito mais difícil encontrar o melhor caminho
para descer e recalcular minha rota. Mas como nesse dia eu estava um pouco
apressada para chegar logo, pois precisava resolver alguns assuntos relativos
ao Brasil, decidi confiar nela e pegar o ônibus indicado.
O ônibus foi parar do outro lado da cidade.
É em situações como essa que eu aprendo a controlar
minha ansiedade e a não entrar em pânico. Claro que fiquei assustada quando
percebi que o ônibus não estava fazendo a rota que deveria, então liguei para
Nut e pedi para ela confirmar se era a rota correta, mas ela não sabia dizer.
Minha bateria estava acabando e eu precisava de um plano rápido, então fiz o
que considerei ser o mais coerente: todos os ônibus circulam por determinado
caminho, então o ônibus deveria voltar para o lugar de onde veio, cedo ou
tarde. Naquele momento eu não tinha muito mais o que fazer, não podia usar o
Google Maps porque se o fizesse meu celular iria descarregar, não podia pegar
um táxi porque não tinha dinheiro, só podia confiar que o ônibus faria o
caminho de volta. Então respirei fundo, coloquei música para tocar e tentei
reconhecer o caminho de volta.
Foi um alívio chegar na universidade depois daquele passeio
de cerca de uma hora e meia – que só deveria ter durado dez minutos. Minha
host-sister ainda estava lá, então falei com ela e pudemos voltar para casa
juntas. Depois dessa experiência, minha aversão aos ônibus só aumentou e mais
do que nunca prefiro andar ou, no máximo, pegar a Light Rail.
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