28 de setembro de 2016

Perdida na China

(Foto tirada em uma vez que me perdi e me vi no meio de uma construção sem saber qual caminho seguir)
Sempre achei a teimosia uma característica positiva, mas de vez em quando ela me revela sua dualidade, em especial quando eu me perco. Como eu já disse em textos anteriores, eu gosto bastante de andar e sempre opto por fazê-lo se tiver a oportunidade, pois me sinto muito mais livre. Sempre que vou fazer uma rota nova, pesquiso no Google Maps e desenho um mapa em uma folha de papel, porque não confio muito na bateria do meu celular (analisando bem, confiar em um mapa precário e mal desenhado também não é lá muito seguro). A quantidade de vezes que já me perdi é tamanha que, assim como os carros que estão quase sempre me atropelando, se tornou uma situação cotidiana.

A primeira vez em que me perdi, quando a Kim ainda morava aqui, foi uma das mais memoráveis. Se perder com ela nunca foi assustador, afinal, independente do que pudesse acontecer, ao menos estávamos juntas e ter uma pessoa aos seu lado em momentos como esses ajuda bastante psicologicamente – é mais difícil, ao menos para mim, entrar em desespero se eu sei que não estou sozinha.

Logo que chegamos na China, nossa host-family costumava nos deixar e nos buscar no local de trabalho; isso, porém, só durou uns dois dias. No primeiro dia em que precisamos voltar para casa sozinhas, Kim e eu nos perdemos – junto com uma voluntária local que estava tentando nos ajudar. Enquanto ainda estávamos no metrô, o inglês da voluntária se mostrou bastante precário, uma vez que acontecia de dizermos uma coisa, ela negar e repetir exatamente o que havíamos dito. Uma das cenas foi a seguinte:

-       Cindy, precisamos voltar para casa de metrô, porque nossa família não pode nos buscar, você pode nos ajudar a pegar a linha certa?
-       Não, sua família não vem buscar vocês, então acho que vamos precisar pegar o metrô.
-       Sim, mas você vai com a gente?
-       Não, nós vamos de metrô, não podem vir buscar vocês.
-       Certo... E quando chegar você pode nos ajudar a chegar em casa?
-       Eu vou ajudar vocês, a família não pode buscar, vamos de metrô.
-       Mas depois do metrô, você vai sair da estação com a gente?
-       Sim, vamos de metrô até a casa de vocês.
-       Ok... E depois?
-       Como assim?
-       Depois do metrô você vai nos deixar em casa?
-       Não, sua família não pode buscar vocês, vamos precisar ir de metrô.

Na realidade foi ainda mais frustrante do que pode parecer, porque demorou muito tempo até que conseguíssemos nos entender. E depois disso precisamos encontrar nossa casa. Descemos na estação que nos pareceu a certa e começamos a andar na direção que parecia ser a da nossa casa. Andamos por um tempo, até que passamos a estranhar a demora para chegar – naquela manhã havia sido uma caminhada bem rápida da casa até a estação, já deveríamos estar na frente do condomínio. Um pouco confusas, decidimos voltar, mas nada parecia familiar.

Pedimos para a Cindy usar o GPS dela para encontrar nossa casa, o que, claro, ela levou um tempo para entender. Quando ela nos mostrou o mapa e começou a nos guiar pelo suposto caminho certo, duvidamos bastante dela, o tempo todo ficávamos pensando que ela estava errada e que iríamos acabar bem mais longe, afinal, depois daquela primeira conversa, ela não tinha se mostrado a pessoa mais confiável do mundo. Além disso, em determinado momento tentamos pegar um táxi, mas nenhum taxista aceitou nos levar porque supostamente não sabiam onde o condomínio ficava – o que só nos fazia desconfiar de que deveríamos estar muito longe. Sendo assim, chegar pouco tempo depois foi uma verdadeira surpresa. Agradecemos bastante a ajuda da Cindy, mas não paramos de duvidar de seu inglês.

Outra situação mais recente, que me aconteceu depois de a Kim ter voltado para a Malásia, só aumentou minha desconfiança – nesse caso não só no inglês, mas também na habilidade das pessoas de encontrarem as rotas certas. A sensação de se perder sozinha foi terrível, com certeza, e a única coisa que me tranquilizou foi o fato de estar na China – sabia que, mesmo perdida durante a noite, ao menos estava segura.

Geralmente procuro manter a calma em situações que fogem do meu controle, mas antes me permito sentir um pouco de medo, afinal, é o mais natural de se ocorrer. Nesse caso, mais do que medo, senti um pouco de frustração por não ter ido a pé. No fim das contas, porém, foi uma experiência nova e positiva, porque aprendi a não confiar em pessoas que dizem que sabem qual é o ônibus certo e pude dar uma volta e conhecer partes novas da cidade. Mas vamos logo ao episódio.

Depois do trabalho, fui para a universidade jantar com minha amiga, Nut, e na volta pretendia voltar a pé. Quando eu estava traçando minha rota, Nut começou a insistir que seria muito mais rápido voltar de ônibus, supostamente apenas dez minutos. Eu deveria ter desconfiado dela, porque quando pedi uma bateria portátil emprestada para carregar meu celular ela disse que não tinha e, uma hora depois, quando eu estava desesperada procurando uma tomada, ela me ofereceu sua bateria portátil emprestada. Assim como a Cindy, ela não estava se mostrando uma das pessoas mais espertas da China.

Eu não gosto muito de andar de ônibus aqui porque não consigo ler em mandarim o suficiente para saber onde estou a cada parada, fora que geralmente eu acabo me sentindo claustrofóbica e desconfortável. Quando estou andando tenho a liberdade de virar e fazer outro caminho se precisar, mas dentro do ônibus eu dependo completamente da rota que ele vai traçar e, se eu pegar o ônibus errado, vai ser muito mais difícil encontrar o melhor caminho para descer e recalcular minha rota. Mas como nesse dia eu estava um pouco apressada para chegar logo, pois precisava resolver alguns assuntos relativos ao Brasil, decidi confiar nela e pegar o ônibus indicado.

O ônibus foi parar do outro lado da cidade.

É em situações como essa que eu aprendo a controlar minha ansiedade e a não entrar em pânico. Claro que fiquei assustada quando percebi que o ônibus não estava fazendo a rota que deveria, então liguei para Nut e pedi para ela confirmar se era a rota correta, mas ela não sabia dizer. Minha bateria estava acabando e eu precisava de um plano rápido, então fiz o que considerei ser o mais coerente: todos os ônibus circulam por determinado caminho, então o ônibus deveria voltar para o lugar de onde veio, cedo ou tarde. Naquele momento eu não tinha muito mais o que fazer, não podia usar o Google Maps porque se o fizesse meu celular iria descarregar, não podia pegar um táxi porque não tinha dinheiro, só podia confiar que o ônibus faria o caminho de volta. Então respirei fundo, coloquei música para tocar e tentei reconhecer o caminho de volta.


Foi um alívio chegar na universidade depois daquele passeio de cerca de uma hora e meia – que só deveria ter durado dez minutos. Minha host-sister ainda estava lá, então falei com ela e pudemos voltar para casa juntas. Depois dessa experiência, minha aversão aos ônibus só aumentou e mais do que nunca prefiro andar ou, no máximo, pegar a Light Rail.

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