21 de setembro de 2016

As casas sujas

(Típica mesa de café-da-manhã chinesa)
Depois que cheguei na primeira host-family, demorei pouco tempo para perceber que seus hábitos de limpeza em relação ao apartamento eram um tanto relapsos. Pensei que poderia ser pelo fato de se tratar de uma família com boas condições financeiras, então eles não estavam muito acostumados com trabalho doméstico e chamariam alguém para fazê-lo, pelo menos uma vez ou outra. Decidi, como sempre, dar uma segunda chance para a China e não estereotipar todas as famílias baseada apenas nessa experiência, até que eu me mudei para a nova casa e percebi que a situação era a mesma.

Aqui na China não é comum ter empregadas domésticas a não ser que se trate de uma família muito rica, o que não é desculpa para manter a casa suja, mas é a única explicação que eu consigo criar na minha mente para justificar a situação das casas em que morei e das casas que conheci por aqui. Antes de mais nada, por alguma razão que eu não entendo, as mesas de centro das salas servem de depósito para todo o tipo de coisa, desde caixas de lenço a secadores de cabelo, e os tão comuns arranjos de mesa que utilizamos no Brasil mal se veem por aqui. Depois vem a situação da mesa da cozinha, que é tão peculiar e, na minha opinião, tão anti higiênica, que merece um parágrafo só para ela.
 
É habitual que as mesas da cozinha sejam forradas com um plástico transparente para não sujar o móvel, uma medida totalmente compreensível, pois também acontece no Brasil. A diferença é que, pelo menos para mim, isso deveria significar limpar a mesa depois de cada refeição ou, no mínimo, uma vez todos os dias, mas aqui isso não acontece. Depois de estar morando na nova casa há uma semana eu simplesmente desisti de esperar alguém limpar o plástico e decidi fazê-lo eu mesma. Com certeza eles passam um pano de vez em quando, só que ainda não presenciei tanto esses momentos quanto gostaria.

Além disso, outro hábito chinês – que me incomoda bastante, devo dizer – é o de deixar os pratos de comida na mesa depois que todos já comeram. E não estou falando dos pratos que foram utilizados para comer, estou falando das comidas em si. Eles não terminam a refeição e guardam as sobras na geladeira, como é feito no Brasil; eles terminam a refeição e deixam tudo lá, para esquentar ou comer frio no dia seguinte. Ando fazendo muitas coisas que jamais faria desde que comecei a morar na China, mas comer essas coisas que passaram a noite estragando não é uma delas. Esses dias deixaram um prato de camarão durante três noites na mesa da cozinha. Não entendo muito dessas coisas, mas na minha mente eles já teriam estragado logo na primeira noite. Ao escrever sobre, vejo que pode soar como uma besteira minha, afinal, qual o problema de não guardar a comida e comer os restos nos dias seguintes? Aparentemente nenhum, porque não vi ninguém ficar doente – ainda – por causa disso, no entanto, desde pequena eu aprendi que isso não se faz, então acho que acabei internalizando que isso é errado.

Agora vamos para outra parte interessante, que, infelizmente, reforça os estereótipos de falta de higiene dos chineses: as louças. Mais uma vez, quando isso aconteceu na primeira casa eu decidi dar aos chineses o benefício da dúvida e tratar isso como uma situação isolada, mas por estar acontecendo mais uma vez, com uma família completamente diferente – convenhamos, quais as chances de duas famílias diferentes possuírem o mesmo hábito a não ser que ele seja cultural? – eu precisei aceitar que deve ser mais uma dessas coisas que as pessoas da China fazem. A questão é: eles não lavam as louças direito. Isso pode até variar, mas acho difícil. A situação é de um nível tal que eu prefiro ser responsável por lavar todas as louças da casa e garantir pratos, copos, panelas e palitos limpos para todos do que correr o risco de comer utilizando um utensílio sujo. Se não fui eu quem lavei um copo, na maior parte dos casos eu vou lavá-lo mais uma vez para garantir que ele está limpo – muitas vezes eles só passam água e, no caso dos pratos, é muito comum que ainda estejam oleosos ou com pedaços de comida dentro. A maioria das colheres, inclusive, é cheia de marcas de ferrugem ou grude – que eu não estou conseguindo remover por mais que esfregue –, que estou conectando aos péssimos hábitos de limpeza. Mas o pior de tudo são as panelas.

No Brasil – ou pelo menos na minha casa e em todas as casas brasileiras que eu conheço –, ao se lavar uma panela, lava-se a panela completa, por dentro e por fora. Isso não acontece aqui. Quando eu peguei a primeira panela que fui lavar percebi que o exterior estava um pouco mais grudento do que poderia ser considerado normal, então pensei: “Talvez eles não lavem com tanta frequência, já que a panela é usada todo dia e a host-mom só passa uma água nela antes de utilizar de novo”. Só pelo pensamento que eu tive já dá para ver que estou sendo bem receptiva aos hábitos chineses, pois não julguei o fato de a host-mom não lavar a panela bem direitinho antes de usar; esse não é o caso. Cometi o erro de utilizar uma bucha branca para esfregar o lado de fora da panela – pelo menos assim pude compreender melhor com o que estava lidando. A bucha saiu quase preta; o tom que se espera ver em um pano que acabou de ser passado em um móvel completamente empoeirado, não em uma panela, objeto utilizado para cozinhar alimentos que serão ingeridos por pessoas. Então eu peguei o que eu só consigo descrever como um objeto parecido com o que utilizamos para limpar privadas – só que esse é próprio para a louça e é mais comum ser utilizado do que as buchas –, com as cerdas duras, e esfreguei o melhor que pude.

Secar os pratos aqui é algo que não acontece, e muitas casas sequer têm o escoador de pratos, eles apenas colocam a louça molhada de volta na gaveta. Isso me deixa muito incomodada, meus instintos de limpeza gritam que isso é errado, então eu lavo tudo, pego um monte de toalinhas de papel e vou secando e guardando o melhor que posso.

Essa experiência com as louças só faz aumentar cada vez mais minha vontade de fazer uma faxina na casa inteira, pois me faz perceber em que tipo ambiente estou inserida – e por ser, em geral, bastante limpa com minhas coisas, não me sinto muito confortável com esses arredores tão sujos – infelizmente ainda não tenho certeza se seria algo ofensivo de se fazer ou não. Logo, logo, porém, sei que vai chegar o dia em que não vou mais aguentar e vou acabar limpando sem me importar e, quando isso acontecer, só espero encontrar espaço suficiente na geladeira para guardar todas as sobras deixadas em cima da mesa. 

0 comentários:

Postar um comentário

 
♥ Theme por Maidy Lacerda, do Dear Maidy, exclusivo para Metamorfisa © 2015 • Todos os direitos reservados • Topo