Fumar é incomodamente comum na China. Em
restaurantes, estações de metrô e mesmo em escolas; se não há uma placa de
proibido fumar, acredite, eles vão fumar. Para uma cultura tão rica e tão
antiga, acho bastante primitivo, para dizer o mínimo, que eles não se importem
com os riscos que o cigarro causa para a saúde. Tudo bem fumar ao ar livre,
onde só o fumante se prejudica, mas não consigo entender a lógica de fumar em
um restaurante – o ambiente vai ficar fedendo, assim como todas as pessoas,
independente de fumarem ou não – ou em qualquer outro lugar fechado.
Esse hábito terrível, inclusive, já quase me fez
desistir de frequentar certos lugares, como as boates.
Em uma certa noite, quando estávamos no karaokê, meus
amigos decidiram que queriam ir para uma boate depois; eu concordei na hora,
pois estava muito ansiosa para conhecer a vida noturna chinesa, uma vez que, ao
meu ver, os chineses pareciam não saber se divertir tanto. Então voltei para
casa para trocar de roupa, enquanto o pessoal procurava uma boate. O preço foi
consideravelmente alto para mim – algo em torno de 75 reais –, pois estou
acostumada com festas de quinze a trinta reais no Brasil e com bares cuja
entrada é de graça; isso sem contar com as bebidas que consumimos – gastei uns
30 reais em um único drink, com pouquíssimo álcool e quase nenhum conteúdo no
total. Mas eu estava bastante animada, aquele seria nosso primeiro final de
semana livre, eu sentia falta das noites de diversão no Brasil, ainda tinha um
pouco de dinheiro extra, sendo assim, por que não?
As horas de diversão que tive naquele local não
compensam os prováveis anos de vida que perdi depois de inalar tanta fumaça.
Literalmente, ao se olhar para qualquer direção, era possível ver pessoas
fumando sem parar. O ar fedia à fumaça. Quando cheguei em casa naquela
madrugada, precisei lavar meu cabelo pelo menos umas dez vezes – usei
praticamente metade do shampoo que estava dividindo com a Kim –, e mesmo assim
ainda conseguia sentir vestígios do cheiro de fumaça. Pensei seriamente em
jogar o vestido que usei no lixo, pois o cheiro estava tão forte que, quando
fui tomar banho e deixei ele perto da toalha, ele deixou a toalha impregnada
com o fedor. Se eu não tivesse vivido uma situação na qual me vi praticamente
obrigada a voltar à boate, provavelmente nunca mais teria ido, o que teria sido
uma pena.
Mais uma vez, depois do karaokê, o pessoal decidiu ir
para a boate; a diferença foi que dessa vez saímos de lá após a meia noite, e
como estávamos sem a chave de casa, Kim e eu nos vimos sem alternativa – pois
ir para um hotel passar a noite em vez de aproveitar com nossos amigos não era
uma opção para nós. Então fomos para a mesma boate e passamos um bom tempo do
lado de fora discutindo – eu não estava afim de ir para lá, queria tentar ir
para outra, mas o gerente estava fazendo um bom preço para nós. Meu principal
problema é que, mesmo sendo mais barato do que da outra vez – saiu em torno de
50 reais por pessoa – ainda assim era caro em comparação com o Brasil. Eu disso
isso para o gerente e ele respondeu que se eu aceitasse o preço daquela noite,
na próxima vez que fosse lá minha entrada seria de graça – certamente ele não
esperava me ver mais, mas é uma boate bastante frequentada por estrangeiros,
por isso não teria sido bom para a reputação deles não cumprir a promessa.
Além do preço exorbitante, as boates chineses são
diferentes das brasileiras em outros aspectos. O DJ, por exemplo, não para de
falar, o que pode ser bastante irritante quando você está tentando curtir o
som. E mais, nos finais de semana, como eles ficam mais lotados, a cada cerca
de 30 minutos, a música para e começa algum show aleatório – dança, mágica,
piadas. É muito interessante em termos de observação de uma cultura diferente,
mas como era tudo em mandarim e, na maior parte do tempo, eu não conseguia
entender, foi também um pouco monótono. A ideia, contudo, poderia ser adaptada
no Brasil e com certeza teria um resultado ótimo.
Na primeira vez que fomos à boate a Kim não foi. Não
sei se foi só por causa dela ou porque dessa vez decidi beber um pouco, mas
aquela foi uma das melhores noites de festa que já vivi. As pessoas não estavam
fumando tanto, tinham muitos estrangeiros – alguns, inclusive, vieram dançar
conosco –, as músicas tocadas foram melhores e minhas roupas eram muito mais
confortáveis para dançar. Tudo parecia estar contribuindo para aquela ser a
noite perfeita, o que foi uma grande ironia do destino, pois aquele dia havia
começado bastante triste para mim, a ponto de eu sentir que não conseguiria me
sentir bem, no mínimo, até o dia seguinte.
Geralmente eu defendo que somos os únicos
responsáveis pela nossa felicidade, e não nego isso agora, mas naquele dia, sem
meus amigos e sem todas as coisas boas que aconteceram, talvez tivesse sido um
pouco mais difícil me animar. Por isso hoje quero acrescentar que apesar de não
ser saudável depender de outras pessoas para sustentar suas emoções, isso não
significa que, em momentos mais difíceis, elas não possam servir como um apoio
para ajudar você a se fortalecer. Foi uma sorte muito grande para mim que
tantas coisas tenham acontecido exatamente no dia em que me senti mais triste,
todavia se eu não tivesse decidido aceitar essas coisas boas, poderia muito bem
ter passado a noite toda de cara feia, reclamando do cheiro de cigarro, esperando
a hora de voltar para casa.
E falando em cigarro, estou quase desistindo de
encontrar um lugar dentro do qual os chineses não achem apropriado fumar,
porque, na minha mente brasileira e higiênica, seria de se esperar que ao tomar
banho, por exemplo, a pessoa queira ficar limpa e cheirosa, portanto faz sentido
não fumar, afinal isso estragaria qualquer efeito do banho. É claro que essa
não é a lógica de um morador da China e, por essa razão, mesmo dentro dos
banhos públicos as pessoas fumam nas áreas comuns.
Com a família hospedeira no salão de recepção do banho público |
Quando minha mãe hospedeira nos convidou para ir ao
banho público, meu primeiro pensamento foi: “De jeito nenhum vou ficar nua na
frente de um monte de estranhos”, então lembrei que estou na China e preciso
experimentar coisas novas, principalmente coisas que jamais veria no Brasil.
Não tinha nem ideia do que esperar e com certeza fiquei bastante surpresa.
O prédio parecia um castelo, tanto visto de fora como
do lado de dentro; móveis refinados, pintura clássica, obras de arte e flores
espalhadas pelas paredes. A arquitetura e decoração do lugar era sensacional,
dava a sensação de se estar vivendo um sonho de princesa. Então chegamos ao que
importa: o banho. Antes de entrar nos chuveiros, precisamos nos despir no
vestiário; nunca senti tanta vergonha como naquele momento, e mesmo as palavras
de incentivo da minha mãe hospedeira não foram suficientes para me fazer parar
de estranhar o ato de me despir sob uma luz forte em frente a inúmeras
estranhas. Kim e eu contamos até três e tiramos tudo, demos um gritinho de
vergonha, rimos um pouco e corremos para pegar as toalhas.
Ao imaginar um banho público eu só conseguia pensar
em uma grande piscina na qual todos entravam pelados e se banhavam ali mesmo –
e realmente existem locais assim –, porém o local que frequentamos era dividido
em dois andares: o de baixo para os chuveiros e o de cima para a sauna e área
de lazer. Chuveiros. Em um grande salão, boxes de chuveiros duplos e sem porta
se encontravam enfileirados, revelando mulheres chinesas se banhando sem pudor
na frente de completas estranhas, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Enquanto no sul da China eles costumam tomar chá, no
norte tomam-se banhos. Depois de um dia de trabalho, é muito comum que os
funcionários saiam para jantar juntos e, em seguida, encontrem-se em algum
banho público para relaxar e conversar noite adentro. Parece-me um tanto
paradoxal que num país no qual as pessoas são tão tímidas seja considerado
comum despir-se na frente de estranhos e colegas, mas consigo entender, em
parte, as razões para isso. Banhos públicos são capazes de mudar
relacionamentos radicalmente.
Kim e eu dividimos a mesma cabine, e depois daquele
momento nossa amizade se fortaleceu mais do que consigo descrever. Por morarmos
e trabalharmos juntas, passamos praticamente o dia inteiro na presença uma da
outra, mas isso nunca foi cansativo, pois, por sorte, nos demos bem até demais.
É engraçado pensar que somos tão parecidas e moramos, literalmente, uma em cada
ponta do mundo. Por termos tanta coisa em comum, podemos passar horas
conversando e nunca ficar sem assunto; e mesmo as diferenças podem virar pauta
de uma nova conversa, a questão é que sempre nos demos bem. Depois desse banho,
porém, foi como se qualquer barreira que ainda existisse tivesse descido pelo ralo
junto com a água dos chuveiros; tornou-se uma amizade de anos que, na verdade,
só havia começado há poucas semanas.
Após o banho, o mais lógico, para mim, seria voltar
para casa, mas fomos para uma área no último andar do palácio. Era um lugar
muito bonito, no qual pessoas de roupão passeavam, bebiam e comiam melancia (a
quantidade de melancia que as pessoas comem aqui é incomensurável); parecia,
mais uma vez, um salão de um castelo, com um bar no meio, alguns lagos
artificiais, as portas para as saunas e uma área cheia de pedras. Nos
aproximamos das pedras e Kelsie explicou que os chineses acreditavam que o
contato com pedras como aquelas fazia bem para a saúde, por isso as pessoas
deitavam lá por um tempo depois do banho. Experimentamos. As pedras eram
bastante lisas, quentes e, por mais incrível que pareça, confortáveis. Ficamos
lá por pelo menos uma hora, então voltamos para casa.
Não sei se iria mais uma vez para esse banho público,
mas posso afirmar que valeu a pena ir conhecer. Com essa experiência eu pude
aprender um pouco mais sobre a cultura chinesa e me sentir ainda mais imersa
nesse país. Ler sobre tradições é uma coisa, mas vivê-las é algo totalmente
diferente; por mais que eu escreva, muitas vezes sinto que não consigo
expressar com exatidão tudo o que sinto e aprendo aqui, porque certas coisas
não se explicam, vivem-se.
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