(Imagem: documentário A Educação Está Proibida) |
A ideia da escola como a conhecemos (pública,
gratuita e obrigatória) surgiu no final do século XVIII, início do século XIX,
na Prússia, com a finalidade de evitar
revoluções, como as que ocorriam na França (era a época da Revolução
Francesa, cujo lema, como aprendemos nas aulas de História, era Igualdade,
Liberdade e Fraternidade). Forçando um pouquinho mais a memória, também é
possível lembrar que nessa época tinha início o despotismo esclarecido.
Mas o que isso tem a ver com a escola? Bom, elas
foram criadas com o objetivo de conter revoluções, não é? E tinha acabado de
acontecer o Iluminismo, o conhecimento estava super na moda. Então, para conter
a população, as escolas são criadas de modo que os monarcas simulassem estar
dividindo seu conhecimento com o povo e, assim, continuassem no poder.
Esse primeiro modelo de escola era baseado na forte
divisão de classes e castas, e sua estrutura fomentava disciplina, obediência e se embasava muito no estilo dos regimes autoritários. Pelo visto, mesmo
depois de séculos, a maioria das escolas ainda tem essa ideia retrógrada de que
é preciso agir de modo rígido e autoritário para formar alunos (muitas ainda se
baseiam em modelos de escolas militares durante a produção de seu programa,
como veremos adiante)... Que tipo de alunos querem formar? Porque na época em
que ela surgiu, a monarquia queria formar um povo dócil e obediente, que pudesse ser facilmente preparado para
guerras e para que, assim, se mantivesse no poder. Se a estratégia metodológica
continua, praticamente, intacta, presume-se
que os objetivos, a despeito do que alegam as instituições, continuem os mesmos. Afinal, não é possível que esperem que um aluno
aprenda a fazer escolhas sozinho se durante toda sua vida escola apenas impõem
escolhas para ele. Mas calma, chegaremos nisso depois, ainda falta um
pouquinho de História para contextualizar a questão.
Continuando: tão claro era o objetivo dessas escolas
que o próprio Napoleão importou esse modelo, sendo bem sincero em relação aos
seus planos, alegando que pretendia formar um corpo docente para dirigir a opinião dos franceses.
À medida que o mundo foi evoluindo, a educação o
acompanhou. Chegada a industrialização, pegou emprestado o modelo de produção
Taylorista, para conseguir os melhores resultados no menor tempo possível
(veremos que muitas escolas ainda pensam desse jeito... Chega a parecer
brincadeira as semelhanças que apontarei logo, logo). Assim, vieram os prêmios
para os melhores alunos e os castigos para os piores.
Montou-se também uma linha de produção de alunos,
divididos em compartimentos por idade, que passavam metade do seu dia nesses
compartimentos ouvindo professores, ausentes de empatia por seus estudantes,
discursarem sobre assuntos que não os interessavam e que não entendiam a razão
de estarem aprendendo (hoje, a razão que nos dão é: “precisamos da escola para ser alguém na vida”. Ah, essa frase! Tão
conhecida de todos nós, tão criticada no documentário, tão ausente de verdade).
Mas precisavam aprender, porque, caso
contrário, seriam castigados.
Desse modo, a escola foi se transformando no que
continua sendo hoje, uma fábrica de
produção de trabalhadores úteis ao mercado de trabalho. Com seu sistema de
qualificação, julgam-se pessoas através de números subjetivos, direcionados a
cada uma delas por outra pessoa. Com sua metodologia, que ignora completamente
o fato de cada um de nós ser único, ter talentos únicos, gostos únicos e
sermos, em nossa totalidade, uma poça de subjetividade, tentam homogeneizar o ser humano. Ao agir como se notas realmente
definissem qualquer coisa sobre um aluno, formam-se pessoas desmotivadas, que
não conseguiram se encontrar na escola, porque foram repreendidos o tempo todo
e não puderam descobrir em que eram bons.
Os alunos não são mais pessoas, são números.
A partir do momento em que se desumaniza alguém,
deturpa-se o propósito do ensino. O aluno não se vê como um ser de importância,
apesar de escutar o tempo todo que é “o futuro da sociedade”, o significado
disso, para ele, é vazio. Porque ele é ensinado a obedecer, seguir regras,
submeter-se a pessoas (quando todos deveríamos ser iguais e receber a mesma
quantidade de respeito independente da idade, classe social, etc.) e ser
“qualificado para o mercado de trabalho”. Se
a escola não mudar, a sociedade também não vai, não importa quantas vezes os
professores repitam que somos nós quem temos o poder de mudá-la.
E não se trata de ter os melhores professores, os
melhores materiais, os melhores laboratórios ou os melhores qualquer coisa. Se
não existe um ambiente de amor, compreensão e liberdade de expressar-se e errar em uma escola, não existe um
ambiente de aprendizado. As escolas de hoje estão tão focadas em competição,
seja entre elas, seja entre alunos, que só importam em colocar mais e mais
aulas. De que adianta passar um dia inteiro assistindo aulas que não despertam
seu interesse? De que adianta estar ali só porque seus pais te obrigam e não
porque você quer? Ou porque quer ver os amigos? Não adianta, não se aprende
direito assim.
Quando os próprios alunos reclamam da qualidade de
ensino de suas escolas, sejam públicas ou privadas, é gritante que existe um
problema. Mas os alunos, os jovens, não têm voz, nem para os pais (na maioria
dos casos), muito menos para a escola. Então o problema permanece, se reproduz.
Acho que um dos principais empecilhos para a
resolução disso é que as escolas parecem
estar à parte do resto do mundo. Não sei se vocês já perceberam também, mas
muitas vezes uma besteirinha que é problema na escola, não seria nada no mundo
real. É que eles tentam ensinar ética à
força, respeito à força. E quando isso acontece, só o que se consegue é uma
mentira.
Um aluno não vai te respeitar se você impuser sua
autoridade. Ele vai te respeitar se você for humilde o suficiente para admitir
que vocês são iguais. Não existe isso de
alguém ser melhor do que outra pessoa só porque estudou mais, afinal, ninguém
sabe de tudo, estamos sempre aprendendo, e sem essa humildade para perceber que
um aluno também pode ensinar, muitos professores, coordenadores, diretores,
podem estar desperdiçando experiências muito enriquecedoras.
Infelizmente, ainda querem medir alunos, compará-los,
e utilizar notas para isso, ou índices de aprovação no vestibular. Só que o
fato de você ter passado ou não no vestibular não significa que você é melhor
do que ninguém (já deu pra ficar bem claro que eu não acredito nisso, né?), ou
que você é um aluno mais dedicado, ou que você aprendeu tudo direitinho. Uma
pessoa que tira 10 pode ter estudado só na noite seguinte à prova e ter dado
sorte (nada contra). O “melhor da sala” pode nem estudar tanto assim, só ter
facilidade para memorizar conteúdos. Mas os professores o transformarão em
exemplo, tratando a aprendizagem como uma competição. Lembrando que a
competição estimula guerras, não solidariedade.
E isso me deixa com muita raiva.
APRENDER
NÃO É UMA COMPETIÇÃO. VOCÊ NÃO PRECISA TIRAR 10 PARA SER INTELIGENTE, PORQUE O
CONHECIMENTO, ASSIM COMO VOCÊ, TAMBÉM É SUBJETIVO. Me exaltei um pouco.
Agora lembrei de outra mania horrível dos professores
e das escolas: tratar certos cursos como “superiores” a outros só porque são
mais difíceis de entrar, ou porque dão mais retorno financeiro no futuro. Eles
podem estar estimulando alguém a fazer uma escolha errada apenas em prol da
aceitação social.
E não são só os cursos que são desvalorizados, mas
também as disciplinas da área de humanas. Tem-se muito mais aulas de
Matemática, Física, Química e Biologia por semana do que de História e
Geografia. Filosofia e Sociologia, então, coitadas! Nunca vi matérias mais
desvalorizadas na minha vida! Sucateadas pelas escolas de tal maneira que os
próprios alunos já as tratam como desimportantes desde cedo. Logo a Filosofia,
que deu origem a todas as áreas que conhecemos hoje, e a Sociologia, que estuda
a sociedade, que questiona.
Deu pra perceber, né? Nossa educação não é moldada para
questionar, só para aceitar.
Eu costumava ser muito questionadora quando ainda
estava na escola, mas era tão reprimida pelos professores, que, aparentemente,
não aceitavam minhas perguntas “fora do padrão”, que fui começando a me
resguardar e hoje em dia é preciso que eu me sinta muito à vontade com a turma
e o professor para participar de uma discussão. Porque minhas ideias eram diferentonas
demais, pelo visto, e muitos professores não gostaram disso (no caso da
universidade, nunca mais tive esses problemas, porque as pessoas são tão
questionadoras quanto eu por lá, ou bem mais).
Uma vez eu perguntei para um professor, em uma aula
sobre o nazismo, porque os judeus simplesmente não se disfarçavam de cristãos
para fugir. Como vocês podem ver, nem é lá uma super pergunta. Ele fingiu que
não me ouviu. Depois de um tempo, superado o gelo que levei, perguntei porque,
se existiam tantas pessoas que não concordavam com o que estava acontecendo,
não tentaram criar um movimento contra o nazismo e, assim derrubar Hitler –
afinal, não eram só os judeus que estavam chateados com a situação. Mais uma
vez, uma pergunta normal, boba, não custava nada ter sido respondida. O
professor me chamou de “espertinha” e contornou a pergunta. Não falei mais
naquela aula.
Outra vez, numa aula de matemática, perguntei para o
professor qual a função de estudar um determinado assunto se ele não caía no ENEM
e a maioria das pessoas na sala nunca ia precisar dele. O professor ficou com
muita raiva, brigou comigo e disse que não tinha função nenhuma, mas ele tinha
que ensinar e eu tinha que ficar quieta, prestar atenção e aprender para ser alguém na vida.
Isso me deixou bem
chateada. Não pelo fato de ele ter brigado comigo, depois de tantas vezes eu já
estava acostumada, o problema era eu ter que ficar sentada numa cadeira dura,
olhando para números irrelevantes escritos num quadro e que não faziam o menor
sentido para mim, para nada. A
escola ainda hoje insiste em se afastar da realidade e continua a ensinar
coisas irrelevantes para “saciar nossa necessidade de informação” e “cumprir
sua função social”, ou seja, alienar.
Mas Isabela,
como você pode dizer isso? A educação liberta, o conhecimento é uma ferramenta
tão poderosa! Concordo. Mas do jeito
que estão fazendo não está acontecendo como era para ser. E como você sabe como era para ser? Porque eu li os Parâmetros
Curriculares Nacionais, e se as escolas também lessem, e seguissem, elas
saberiam exatamente o que fazer e eu não estaria tão revoltada no momento.
Claro que esses Parâmetros são apenas uma sugestão,
mas é aquele tipo de sugestão tão boa que não dá para recusar, é como alguém
que sabe o resultado da loteria por alguma razão te sugerir que jogue
determinados números, porque eles serão os ganhadores. Não se recusa uma
sugestão dessas, porque mesmo se você não ganhar, não há nada a perder.
De acordo com o site do Inep, os PCNs são:
a referência básica para a elaboração das matrizes de referência. Os PCNs
foram elaborados para difundir os princípios da reforma curricular e orientar
os professores na busca de novas abordagens e metodologias. Eles traçam um novo
perfil para o currículo, apoiado em competências básicas para a inserção dos
jovens na vida adulta; orientam os professores quanto ao significado do
conhecimento escolar quando contextualizado e quanto à interdisciplinaridade,
incentivando o raciocínio e a capacidade de aprender.
Segundo as orientações dos
PCNs o currículo está sempre em construção e deve ser compreendido como um
processo contínuo que influencia positivamente a prática do professor. Com base
nessa prática e no processo de aprendizagem dos alunos os currículos devem ser
revistos e sempre aperfeiçoados.
E, só para garantir que todo
mundo saiba qual a competência do Inep para fazer esses PCNs, o Inep é:
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) é uma autarquia federal vinculada ao
Ministério da Educação (MEC), cuja missão é promover estudos, pesquisas e
avaliações sobre o Sistema Educacional Brasileiro com o objetivo de subsidiar a
formulação e implementação de políticas públicas para a área educacional a
partir de parâmetros de qualidade e eqüidade, bem como produzir informações
claras e confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral.
Para gerar seus dados e estudos educacionais o Inep
realiza levantamentos estatísticos e avaliativos em todos os níveis e
modalidades de ensino,promove encontros para discutir os temas educacionais e
disponibiliza também outras fontes de consulta sobre educação.
Acho que a vale a pena darmos uma olhada neles, mesmo sendo breve, para que mais gente saiba como as coisas estão erradas. Mas isso vai
ficar para o próximo texto.
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