3 de maio de 2016

Os parâmetros que a escola ignora

(Imagem: documentário A Educação Está Proibida)
Agora você poderá seguir sua leitura de 2 maneiras (ou de outra que achar melhor, essas são só as que eu indico): você pode ler todos os pontos destacados dos PCNs primeiro e depois partir para a discussão sobre cada ponto ou você pode ler cada ponto e a discussão sobre ele separadamente.

Vou começar copiando aqui algumas partes que achei interessantes e estão localizadas na introdução dos PCNs de Ciências Humanas:

1. “... nossa  tradição escolar tem sido, de um lado, a de compartimentar disciplinas, em ementas estanques, em atividades padronizadas, não referidas a contextos reais e, de outro lado, de passividade imposta ao conjunto dos alunos, em função dos métodos adotados e também da própria configuração física dos espaços e condições de aprendizado que, em parte, refletem a pouca participação do aluno ou mesmo do professor na definição das atividades formativas. As perspectivas profissional, social ou pessoal dos alunos não têm feito parte das preocupações escolares, assim como as questões e problemas da comunidades, da cidade, do país ou do mundo só têm recebido atenção marginal no ensino médio que, também por isso, precisa ser reformulado” (grifo meu).

Obstáculos do ponto de partida para a nova escola:

2. “... a tradição de ensino estritamente disciplinar do ensino médio, de transmissão de informações desprovidas de contexto, ou de resolução de exercícios padronizados, heranças do ensino conduzido em função de exames de ingresso no ensino superior”;

3. “a expectativa dos alunos, [...] de suas famílias e das próprias instituições escolares, de que os agentes no processo educacional sejam os professores, transmissores de conhecimento, de que os alunos sejam os pacientes, receptores, e de que escola seja simplesmente o local em que ocorre essa transmissão. Essas expectativas equivocadas, somadas ao ensino sem contexto, acabam resultando em desinteresse, baixo desempenho e em um ciclo de desentendimentos, no qual os alunos ou seus pais consideram os professores fracos ou desinteressados, no qual professores pensam exatamente o mesmo de seus alunos, numa escola em que o bom desafio do aprendizado e a alegria do convívio dão lugar à apatia, tensão, displicência ou violência, em proporções que variam com as circunstâncias” (grifo meu).

E só mais alguns pontos interessantes (por mim eu apenas copiaria e colaria os livros completos aqui, porque é tudo incrível):

4. “... as atividades propostas não devem visar tão somente reproduzir, na forma de interrogativas, as afirmações contidas na fala do professor, no livro texto ou em uma outra fonte qualquer. Também é necessário que as atividades sejam formuladas de maneira a tornar significativas e, portanto, contextualizadas, as situações-problema a serem apresentadas para os educandos, de maneira que também os conhecimentos a serem construídos/reconstruídos por esses educandos ganhem significado e sejam contextualizados em seus espaços de vivencias sociais amplas e particulares”;

Pouco depois disso é ressaltada:

5. “... a necessidade de os educandos virem a reconhecer que são agentes e protagonistas da construção/reconstrução dos processos sociais e não meros espectadores passivos dos mesmos. Nesse sentido, é preciso que, a partir da problematização de situações novas, baseadas em referencias concretas e diversas, rompendo-se, portanto, com posturas imobilistas e/ou deterministas, os educandos possam ser de fato agentes da construção de sua autonomia intelectual, que é a forma mais aperfeiçoada daquilo que o senso comum denomina de “senso crítico””.

São 483 páginas no total, uma leitura deleitosa, que não demanda tanto tempo para ser feita em um momento de análise superficial e que demonstra, logo de cara, que as escolas têm um direcionamento bem conciso, direto e completo de uma metodologia que poderia aplicar, além das justificativas para tal e inúmeros exemplos de como aplicar as sugestões dadas.

1.   1.  Não acho que há muita discussão a se fazer sobre esse ponto, pois ele apenas resume a realidade de qualquer escola de Ensino Médio do Brasil que siga um viés tradicional, seja ela particular ou pública. Assim como já destaquei nesse ponto, quero voltar a destacar aqui, pois esse assunto é de uma seriedade imensurável: ignorar as perspectivas social, pessoal e profissional dos alunos é algo que vai além da desumanização (que já sabemos que ocorre); basicamente, isso significa fingir que os estudantes são como as cadeiras nas quais sentam para assistir às aulas, não veem, não ouvem, não pensam, não importam.

Sabe por que isso não é exagero meu? Porque mesmo que um professor ou outro se importe com isso, dê atenção diferenciada para um aluno que precisa mais que os outros, o que ele deveria estar fazendo era dar essa atenção diferenciada para cada um, afinal, cada pessoa é diferente, isso é tão óbvio que eu nem sei porque estou escrevendo. Mas é assim, homogeneizar 152 alunos e tratar 5 de maneira especial, seja por quais forem as razões, não é ser uma escola que se importa com seus estudantes, é selecionar e padronizar.

É claro que eu sei que para essa atenção diferenciada ocorrer com cada estudante as turmas deveriam ser muito menores. O que implicaria muito mais escolas. E qual o problema em se ter mais escolas? Isso não deveria ser algo positivo? Não devíamos ficar felizes? Afinal, mais escolas também significam mais oportunidades, para quem não as tem, de estudar.

Há mais dois pontos em que preciso tocar: a passividade dos alunos e as ementas estanque. Vamos primeiro à passividade, pois acredito ter compreendido que o PCN não estava se referindo à participação nas aulas por parte dos alunos, mas sim de sua participação no processo de construção do conhecimento.

Pelo menos na minha escola, eu nunca tive a oportunidade de fazer mais do que ouvir o professor falar sobre o assunto e aceitar aquilo como verdade. Claro que eu podia questionar, e questionava, mas era mais uma teimosia minha em insistir que as coisas não podiam ser só assim e pronto, não era uma construção de um conhecimento novo. Além disso, nas atividade que fazemos, não há incentivo à criatividade, por exemplo, ou à essa construção. Porque mesmo as atividades “subjetivas” têm uma resposta certa, que não é possível questionar.

Para haver participação do aluno no processo de aprendizado, ele precisa ser capaz de dar suas próprias respostas para os problemas que enfrenta e não ser vítima de um sistema que o faz escolher entre 4 ou 5 alternativas, durante 3 anos, alegando que essa é a opção certa para que ele saia de lá super bem educado.

Mas existem perguntas que só têm uma resposta, como sobre datas, ou cálculos. Nesse caso, acho que as perguntas subjetivas poderiam ser realmente subjetivas, não só serem assim chamadas porque são “de escrever” e não “de marcar”. Uma pergunta subjetiva é: “Quais são seus entendimentos sobre a Revolução Francesa?”, “Quais resultados dessa Revolução podemos ver nos dias de hoje?”.  Mesmo que a segunda pergunta possua uma chave de resposta, ela permite tratar de toda uma gama de assuntos, fazendo o aluno buscar conhecimentos de várias áreas para construir um conhecimento. Ele vai construir, porque ninguém nunca terá dito diretamente que a Revolução Francesa possibilitou tal, tal e tal coisa, mas terá sido relacionado em sala que a Revolução Francesa foi necessária para que, mais tarde, ocorresse a Independência do Brasil. E com essa Independência vieram muitas consequências que, sendo assim, podem estar relacionadas à Revolução, uma vez que são sub-consequências de seu acontecimento.

Claro, para que isso aconteça, além de uma prova bem elaborada, os alunos também precisarão de um método de ensino diferente, e é isso que estou defendendo aqui, e é isso que é defendido e demonstrado com exemplos bastante claros nos PCNs. Para isso ocorrer, é preciso que as disciplinas não sejam tão compactas e fechadas em si mesmas.

Às vezes uns professores fazem relação de sua disciplina com outra, mas, para ser sincera, essas relações que eles fazem sempre me pareceram um tanto forçadas, quando poderiam ser tão naturais. E apesar de eu ser a favor de os professores trabalharem a interdisciplinaridade em suas aulas, eu sei que isso não é uma tarefa fácil, e com o baixo salario e o grande número de aulas que precisam dar todos os dias, talvez essa não seja uma opção boa para maioria deles. Então o que resta é trabalhar para descompactar a disciplina de outra maneira: relacionando-a à vida real.

Para quem está acostumado a trabalhar de determinada maneira há 20, 30 anos e tudo está dando certo, pode parecer desnecessário tentar mudar, mas é inegável que o mundo muda, apesar disso, e, com a tecnologia cada vez mais presente no cotidiano, o modo de aprendizado também mudou. Os PCNs sugerem maneiras incríveis de trabalhar as disciplinas de modo que o aluno seja mais presente e aquilo esteja relacionado com a realidade dele. Além disso, é um trabalho tão inspirador que o leitor começa a ter suas próprias ideias com base no que está lendo. Minha mente, pelo menos, ficou pipocando, assim como quando assisti ao documentário que inspirou tudo isso aqui.

Descompactar uma disciplina, então, pode ser mostrar ao aluno como aquilo será útil em sua vida; pode ser explicar todos os assuntos de forma prática e interativa, interessante; pode ser deixar o aluno participar e opinar sobre os assuntos, jamais tratando-os como verdades absolutas.

2.   2.  Aqui também falaremos das disciplinas que ensinam coisas fora de contexto e sobre aqueles terríveis exercícios padronizados. É claro que um exercício padronizado não ensina sobre o assunto, só faz com que você o decore, no máximo. Dando uma folheada nos livros da minha irmã, que está estudando na mesma escola em que eu fiz Ensino Médio, percebi rapidamente que eram os mesmo exercícios que eu tinha feito na idade dela. Mas eu não sabia fazer, só conseguia reconhecê-los.

Lembro que quando estudava polinômios tinha que fazer listas com quase 100 questões só resolvendo os polinômios, e aquilo não tinha nenhuma contextualização, às vezes sequer tinha uma frase. Era só o polinômio (no caso dois ou três e os sinais de multiplicar, dividir, somar ou subtrair) e eu tinha que resolver. Até hoje eu não sei para quê aprendi aquilo, porque ninguém nunca me disse. Talvez ainda saiba resolver, se deparar com um, mas não vou saber qual sua real função.
E essa é minha crítica. Esse é só um exemplo de inúmeros aprendizados fora de contexto que as escolas tentam empurrar para nós.

Uma coisa muito importante que percebi em minhas leituras, é que muito autores defendem que não existe algum assunto imprescindível no currículo escolar para desenvolver as competências a que ele se propõe, sendo elas, de acordo com os PCNEM: comunicar e representar; investigar e compreender; contextualizar social ou historicamente os conhecimentos. Ignorando isso, o que as escolas tentam fazer hoje é formar historiadores mirim, ou físicos mirim, despejando sobre os alunos uma série de conteúdos sem explicitar a razão de terem que aprender isso.

Não estou dizendo para cortar os polinômios ou outro conteúdo da grade curricular. Mas como pessoa que esteve inserida nesse sistema, posso sugerir que as escolas repensem os conteúdos que estão passando, porque às vezes, menos conteúdo e mais compreensão pode ser mais positivo do que o contrário.

Só posso dizer que as escolas precisam se dedicar menos aos conteúdos e mais ao aprendizado dos alunos. Afinal, é muito inocente imaginar que os alunos, independente do método, chagarão a aprender 100% do que lhes é transmitido. Talvez o número de alunos que aprende todo o conteúdo fosse maior se o conteúdo fosse menor e mais aprofundado, respeitando, também, a vontade de cada um de se dedicar àquilo ou não.

No final do tópico temos que esses métodos de ensino são herança de um sistema voltado apenas à aprovação nos exames de ingresso ao ensino superior. É claro que isso ainda não mudou. Na verdade, acredito que esteja se agravando. Pelo menos na minha cidade, as peças publicitárias das escolas dizem respeito, majoritariamente, à aprovação dos alunos no ENEM e como isso comprova a qualidade dessa escola.

O ENEM aponta 5 competências gerais: dominar diferentes linguagens, desde idiomas até representações matemáticas e artísticas; compreender processos, sejam eles sociais, naturais, culturais ou tecnológicos; diagnosticar e enfrentar problemas reais; construir argumentações; e elaborar proposições solidárias. Essas competências, talvez vocês tenham percebido, relacionam-se bastante com as competências que o Ensino Médio se propõe a desenvolver, de acordo com os PCNEMs. Analisando-as assim, de forma tão ampla, é possível enxergar as diversas maneiras que existem de transmitir isso ao aluno de forma que ele possa construir seu conhecimento, ser ativo no processo e se interessar pela escola. Mas isso não é uma guia de como melhorar sua escola, então se você quiser saber como pode trabalhar essas competências melhor, dê uma olhada nos PCNs (links no final do texto).

3.   3.  Como já falei sobre o ensino sem contexto nos últimos tópicos, vou me deter aqui às suas consequências, grifadas por mim no texto: desinteresse, baixo desempenho, apatia, tensão, displicência ou violência.

É preciso ser de outro planeta, no mínimo, para entrar em uma escola e não saber, logo de início, que a maioria dos alunos não gosta de ir à escola. Uma das coisas mais raras é ver alguém dizendo que gosta, e quando isso acontece, geralmente é por motivos alheios ao aprendizado, como ver os amigos ou comer.

Isso se deve a inúmeros fatores, desde o aluno ser homogeneizado até o fato de ter sua voz calada frente à uma hierarquia que o enxerga apenas como um produto desprovido de opinião.

“Abromoway (2003) esclarece que é no interior da escola que se produz o aluno etiquetado, que não é ouvido, que não pode se manifestar nem participar das decisões, e que, por isso, está se ressentindo e, muitas vezes, se afastando da escola. Por outro lado, o professorado e o corpo técnico se sentem desrespeitados, ameaçados e humilhados. Nesse quadro, o diálogo parece distante.” (NAIFF, Luciene, Indisciplina e violência na escola: reflexões no (do) cotidiano, 2009, Unisinos)

A explicação de Naiff, pelas palavras de Abromoway, sobre a razão dos problemas apresentados pelos alunos que não se encaixam no sistema promovido pela escola é a que eu considero mais coerente. Afinal, recorrendo a mais um nome, é como Paulo Freire disse (simplificando bastante), não há aprendizado sem diálogo. E não há diálogo na escola.

Diálogo, de acordo com Freire, implica analisar o contexto histórico do outro, exige igualdade e importância recíproca por parte dos indivíduos participantes do processo de comunicação. Isso não existe na estrutura hierarquizada da escola. As pessoas não são iguais, os professores são superiores aos alunos, os coordenadores aos professores e os diretores aos coordenadores, para simplificar. Se o próprio sistema escolar não promove a igualdade, não é possível que espere que seus alunos o façam no futuro. Isso não significa que as pessoas formadas nesse sistema serão “ruins” ou injustas, mas podem acabar praticando atos que promovem a desigualdade sem ter a consciência disso, acreditando estar fazendo o melhor.

Em um local que se dispõe a cuidar da educação da sociedade, espera-se cuidado infinito, pois cada pequena mensagem é uma mensagem, e ao longo dos anos, se ela for sendo reproduzida, vai ficar incrustada na mente dos alunos. Eles vão crescer achando que aquilo é certo, ou achando que “é assim mesmo, não dá pra mudar”.

4.   4.  Esse tópico acabou sendo apenas um resumo do que eu tentei falar nos tópicos 1 e 2, pois enfatiza a necessidade de o aluno participar do processo de sua aprendizagem e de se formularem novos métodos para que não exista só a reprodução de conteúdos.

Acho interessante destacar o fato de o próprio PCN entender que as dúvidas dos alunos não se tratam de uma tentativa de construir conhecimentos, ou mesmo de uma possibilidade disso, uma vez que só reproduzem o que foi dito pelos professores ou lido nos livros sobre determinado assunto, em forma de interrogativa. Para o aluno produzir conhecimento, acredito que, primeiro, ele precisa estar ciente de que pode construir conhecimento. Desse modo, ele passará a ousar em suas perguntas e respostas, passará a trabalhar seus argumentos, a buscar novos caminhos, porque não se verá mais limitado à reprodução.

Talvez aprender só seja visto como chato porque os alunos não se enxergam no processo e, sendo seres dotados de ego e cada vez mais individualistas em razão dos rumos capitalistas que tem tomado a sociedade, não ser ativo, nesse caso, é apenas monótono. Para defender esse ponto de vista, baseio-me, em especial, nas aulas diferenciadas que às vezes temos, nas quais os alunos podem fazer experimentos químicos, por exemplo, e participar, em vez de só assistir. São, geralmente, as aulas mais esperadas, as mais divertidas, as que proporcionam o maior aprendizado.

Também são lembradas as aulas que dão significado ao que estamos aprendendo, que relacionam o assunto à nossa vida. Raras, mas se você der sorte vai ter alguma.

5.   5.  Agora vamos falar sobre a importância de o aluno reconhecer que é agente dos processos de transformação do mundo, porque o que eu vejo é cada um se distanciando do que aprendemos e, depois, achando que não somos capazes de mudar nada. Então, mais uma vez, eu me pergunto: e quem é que muda a sociedade se não as pessoas?

Na escola não nos ensinam que podemos mudar o mundo. Nós estudamos as pessoas importantes que mudaram, sob uma perspectiva que mostra, em resumo, o quão especial elas eram, o quão superiores e diferentes, e como é muito difícil que um de nós venha a ser uma dessas pessoas, porque nós não estudamos, só ficamos no celular... E às vezes disso começa um sermão. 

Eu entendo os professores que dão sermões, acho que eles só querem sentir que existe um sentido no seu trabalho, estão tentando, talvez, incentivar os alunos a sair do lugar-comum e tentar promover alguma mudança em suas vidas, ou no mundo. Talvez estejam fazendo isso do jeito errado, mas tudo bem, afinal, eles foram educados no mesmo sistema que os seus alunos, não se pode esperar que mudem de atitude se ninguém lhes disse que isso era possível.

Mas, a despeito disso, de todos os sermões que já me deram, ou para minha turma, nunca foi um do tipo: “vocês são capazes de mudar o mundo, vocês podem fazer o que quiserem, porque os grandes agentes de mudança no mundo eram só pessoas, assim como vocês”. Era mais para “vocês só sabem ficar no celular, são preguiçosos, não querem se esforçar para nada, não querem tentar, desistem muito fácil, na minha época não era assim, vocês são o futuro da sociedade, é assim que querem que a sociedade seja?”. Inclusive, eu tinha um professor que adorava dizer que nós éramos péssimos alunos e que tínhamos muita sorte de ter ele como professor, porque ele era muito qualificado e dava o assunto super bem, mas não era culpa dele se não tínhamos capacidade de aprender rápido.

Uma vez, inclusive, ele falou que os alunos não tinham competência para tirar dúvidas, porque ainda não tinham aprendido o suficiente para fazer questionamentos. Esse professor, além disso, se achava o máximo porque tinha lido 1984 (George Orwell) e dizia que esse livro era um reflexo do que estamos vivendo agora, mas o Big Brother seria a mídia. No entanto, esse professor não problematizava os assuntos de sua disciplina, ele só transmitia o conteúdo como qualquer outro, destacando coisas que, dizia ele, éramos muito alienados para perceber.

Teve um dia que eu fiquei com muita raiva dele. Estávamos estudando Renascimento e ele estava nos mostrando algumas pinturas da época. E começou a analisar as pinturas, e fazer perguntas que ele sabia que não sabíamos responder, e disse que a culpa disso era porque não estudávamos o suficiente. Uma pessoa próxima a mim cursa Artes na universidade e, coincidentemente, estava estudando Renascimento na mesma época e fazendo análises dessas obras. Ou seja, o professor estava muito chateado porque não tínhamos competência para fazer análises universitárias sobre quadros de época. Eu disse isso pra ele, e acrescentei que se nos ensinassem nos poderíamos saber. Ele só ignorou e continuou dando o assunto.

Às vezes eu dou esses exemplos da minha vida pessoal para ver se mais alguém se identifica com alguma dessas situações, nas quais os professores agem como se fossemos inferiores, como se devesse partir antes de nós a curiosidade de aprender (e talvez partisse, se aprender não fosse algo tão restrito, obrigatório e compacto) e, principalmente, como se não pudéssemos ser agentes.

Os professores clamam por autonomia de seus alunos, mas as escolas não proporcionam essa autonomia, uma vez que os alunos não podem sequer escolher o que querem estudar. Suponhamos que exista uma grade curricular que o aluno deve cumprir ao longo do ano (e existe mesmo) e existam duas possibilidades de fazê-lo: impondo os conteúdos ou deixando que os alunos decidam. Em qual delas o aluno será agente?

Mas se for do segundo jeito, talvez tenha uma matérias que eles nunca queiram estudar. Eu acredito que à medida que ele for podendo ser agente, for adquirindo curiosidade pelo mundo e aprendendo de um modo que respeite sua individualidade, ele vai querer aprender todos os conteúdos ou, no mínimo, se tornar bem mais receptivo à sugestão de que se estude tal coisa agora porque já estudou muito a outra, mostrando que o que não foi estudado também é interessante, passando o conteúdo de forma interativa.

Para finalizar esse tópico, quero apresentar um print da página 9 do PCN de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias:

A razão de eu tê-lo escolhido é muito simples: sinto que ele resume bem todo o conteúdo desse tópico e, por fim, destaca as coisas mais importantes que eu tentei dizer: os alunos precisam ser capazes de fazer escolhas e proposições para tomar gosto pelo conhecimento. Isso porque é muito difícil ter interesse em conhecer algo que está sento imposto para você, em vez de apresentado como uma opção. Mais ainda, é difícil interessar-se por aprender sem entender o objetivo da educação. Para uma criança, não adianta muito dizer que ela tem que aprender para “ser alguém na vida”, para “ter um trabalho e ganhar dinheiro”, porque a realidade na qual ela está inserida – sendo sustentada pelos pais – pode fazê-la ter dificuldades de compreender que isso não será para sempre. Na mente infantil, é possível prever o seguinte raciocínio: “Para que eu tenho que estudar para ganhar dinheiro se meus pais já tem dinheiro e eu já tenho uma casa?”.

É preciso que a escola repense a maneira como transmite seus objetivos aos pais e aos alunos, bem como a si mesma. Todo o corpo docente precisa ter claro para si o objetivo de seu trabalho, e este não deve ser simplesmente garantir a aprovação do aluno no ENEM

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