1 de abril de 2016

A necessidade de ser produtivo

(Arte por: Toby Allen
Ansiedade: o monstro da ansiedade é pequeno o suficiente para sentar no ombro de suas vítimas e sussurra coisas em seu inconsciente, despertando medos e preocupações irracionais. O monstro da ansiedade é geralmente visto como fraco em comparação com outros, mas é um dos mais comuns e é muito difícil de se livrar dele.
Eles geralmente carregam pequenos objetos conectados às ansiedades de suas vítimas, como relógios que representam um comum, porém irracional, medo de coisas que podem nunca acontecer. Ninguém jamais viu o rosto do monstro da ansiedade, pois ele sempre usa uma caveira como máscara.)
Fala-se bastante, ultimamente, que a ansiedade é o mal do século. A ansiedade, o estresse, e todos os outros sintomas do novo estilo de vida que se estabeleceu nessa era da velocidade. Hoje, dizem, parece que os dias estão mais curtos, não são suficientes para fazer tudo e, quando finalmente ficamos livres, já é tarde demais, é preciso dormir, amanhã o dia é mais cheio ainda.

Uma das coisas que mais contribui com essa ansiedade é o uso exacerbado das redes sociais. Elas deixam as pessoas mais dispersas, perde-se, aos poucos, a capacidade de concentração; cresce, no interior, uma necessidade de responder, ser respondido, ver o que está acontecendo, postar alguma coisa, dizer que existe, provar sua existência, fazer qualquer coisa. Além disso, elas evidenciam o pensamento de culpa constante: “Eu deveria estar fazendo algo mais produtivo”.

Todos temos consciência de que as redes sociais são, em geral, improdutivas. Salvo as exceções, a maior parte do tempo que se passa conectado é, de acordo com essa nova significação de “produtividade”, inútil. As pessoas compartilham: “Eu devia estar estudando”, “Eu tenho tantas séries para ver”, “Tenho livros demais para ler, como faço para ler mais rápido?”, “Nossa, estou cheio de trabalhos para entregar!”. Compartilham o que deveriam estar fazendo mas não estão, porque em vez de estar, estão compartilhando. Um ciclo vicioso.

O que vemos nessas redes e como isso nos afeta está diretamente relacionado com nosso modelo de sociedade e com os valores vigentes. Assim como essa necessidade crescente de ser produtivo.

Desde o fortalecimento do capitalismo como modelo social e econômico vigente, as pessoas passaram a internalizar que é necessário estar sempre produzindo, acumulando, trabalhando. O significado disso foi se alterando através dos séculos, assim como a sociedade e suas particularidades. Hoje nossa sociedade tem muito acesso à informação e, portanto, ao conhecimento; o mercado de trabalho está cada vez mais abarrotado, não há espaço para todos, é preciso se qualificar sempre mais e mais para garantir seu lugar. Como consequência, as escolas passaram a inundar os alunos com um mar de assuntos e matérias, focando antes na quantidade do que na qualidade; também passaram a estimular a competição, pois, supostamente, os alunos precisam estar preparados para o que irá se seguir, no “mundo real” vai ser muito pior.

Então a ansiedade se instala.

Tudo isso vêm à tona por meio de noites mal dormidas, sensações inexplicáveis de desconforto mental, crises de ansiedade, propriamente. E a vontade incessante de produzir. Produzir o quê? Qualquer coisa! Um texto, um quadro, um robô, um experimento, um projeto, uma análise. Qualquer coisa que nos faça sentir que estamos sendo úteis. Para quê? Para a sociedade, para o nosso futuro, para a possibilidade de entrar no mercado, ganhar dinheiro, produzir ainda mais. Com um pingo de esperança, nesse mar de ansiedade, de, um dia, poder não fazer nada. E não sentir culpa por isso. Ou, como conhecemos popularmente, ter a vida garantida.

Decerto precisamos nos esforçar para garantir sucesso, se é o sucesso que almejamos. Mas o que ninguém discute é: “Por que esse sucesso é tão necessário? Tão desejado? O que é esse sucesso?”. De acordo com o Dicionário Michaelis, sucesso significa: “sm (lat successu) 1 Aquilo que sucede ou sucedeu; acontecimento. 2 Resultado bom ou mau de um negócio. 3 Conclusão. 4 Êxito, resultado feliz. 5 O mesmo que parto.” Acredito que a aplicação mais comum, causa da ansiedade, se deva ao significado de número 4: “Êxito, resultado feliz”. É importante pontuar que não se diz em que ação isso deve ocorrer, mas nós temos em mente que se trata de um sucesso financeiro, esse “sucesso na vida”, e, mais que isso, um sucesso que diz respeito ao reconhecimento por alguma ação. E só pensamos assim porque esse é um dos princípios do capitalismo.

Esse modelo econômico e social, tão comum ao redor do mundo, exige a desigualdade para o seu funcionamento. E demonstra, por meio de filmes – hollywoodianos, em especial –, por exemplo, que o melhor é ser rico e reconhecido. Também o faz por meio das músicas pop, pela supervalorização dos famosos. Quem importa é quem está na mídia, essas são as pessoas que têm algum valor, e são pessoas que nos acostumamos a ver como especiais, mas no fundo, elas são só pessoas, assim como nós. Muitas celebridades gostam de enfatizar que são só pessoas comuns, todavia, apesar disso, ainda não sentimos que eles são comuns, porque eles não são acessíveis. Afinal, elas são pessoas que têm muitos fãs, são reconhecidas, elogiadas; é da natureza humana gostar de receber carinho de algum tipo; é normal ver essas pessoas recebendo tanta atenção e desejar um pouco disso, de alguma maneira, seja pelo quadro que você pinta, pela música que você faz, pelo texto que você escreve ou pela ideia que você teve.

(Foto: youtuber e atriz Kéfera Buchmann
As celebridade se tornaram o modelo de sucesso. Hoje, com a difusão das redes sociais pela sociedade, o termo celebridade ganha novos significados; tornou-se possível ser uma sem precisar sair de casa. A exposição da vida de youtubers (pessoas que produzem vídeos para o YouTube), por exemplo, em situações agradáveis, leva a maioria de seu público a considerar que aquela seria a vida perfeita: felicidade, fama, dinheiro, reconhecimento. Surgiu em 2015 um fenômeno interessante, porém pouco comentado na internet: inúmeros jovens começaram a produzir conteúdos em vídeo na esperança de se tornarem, assim como seus ídolos, famosos. Isso não deveria ser ignorado, pois revela fatos muito importantes sobre a sociedade em que vivemos e os valores que aceitamos como concretos. Porém esse é um assunto para explorar melhor em um próximo texto)

O modo como a mídia noticia as coisas, o fato de as enxergamos como importantes – porque alguém disse que a mídia é algo além de “só pessoas que selecionam assuntos arbitrariamente para torná-los de conhecimento público” e é capaz de ditar o que vale a pena ou não saber – cria valores, cria necessidades. Valorizamos o sucesso – até mesmo pelas histórias de pessoas que não são famosas, mas obtiveram algum êxito em suas vidas que foi considerado importante o suficiente para ser noticiado, como os primeiros lugares das universidades – estabelecemos qual deve ser o padrão de sucesso, buscamos esse sucesso. Por ser difícil de alcançar, ficamos ansiosos; por considerá-lo impossível de se ter, a ansiedade aumenta ainda mais.

O mal do século, portanto, está relacionado a todos os parâmetros que colocamos sobre nós mesmos e os outros, a todas as comparações e desejos que nos são, inconscientemente, impostos. Por que muitas adolescentes desejam ser magras? Porque existem poucas celebridades acima do peso. E essas celebridades, por estarem tão infiltradas nas mídias cotidianas, acabam sendo modelo do que “deu certo”, do que “é certo”, do que as meninas querem ser. Claro que existem exceções. E essas exceções são as meninas que perceberam que não necessariamente aquilo é bonito, que cada um tem sua beleza e que não é preciso ser rico, famoso ou reconhecido para ser feliz.

No fim das contas, tudo se resume à questão da felicidade. A ansiedade é fruto do desejo de produzir, garantir, para, finalmente, poder ser feliz. Porque é isso que todo mundo quer, ser feliz. Todavia, nossos padrões da “verdadeira felicidade” podem acabar se tornando altos demais, difíceis demais, o que pode acabar por enevoar as pequenas felicidades. Perdemos uma festa, porque a felicidade de obter sucesso na prova do dia seguinte parece ser superior – e pode ser mesmo. Mas um dia isso pode fazer com que alguém perca seus amigos, porque a perspectiva do que o máximo de produção e o mínimo de lazer no momento pode trazer no futuro parece muito mais proveitosa.

Não é errado traçar objetivos e metas de vida, mas é importante sempre se questionar antes de tomar uma decisão que vise adiar a felicidade para fazer com que ela seja potencializada no futuro. Porque o futuro é incerto. Você pode adiar a felicidade para quando você tiver 40 anos e todo seu esforço de agora for valer a pena, mas acabar morrendo no meio do caminho. É duro. Todavia é possível. Então, vale a pena?

A comparação que farei agora pode parecer infantil, ou até ingênua, porém garanto que é coerente e vai ajudar a ilustrar melhor o assunto: A vida é como um jogo de The Sims. Nesse jogo, se você não cuidar da sua personagem direito, ela pode sofrer com diversas consequências. Por exemplo, se você trabalha demais, seu Sim, mais cedo ou mais tarde, vai ter um surto nervoso – pelo menos nas versões mais novas. Se você não faz nada para manter suas amizades, elas se esvaem. Mesmo que você more com alguém, se não houver esforço de comunicação, sua relação vai se tornar cada vez mais prejudicada.

(Imagem: Sims 4 Updates
No caso, essa característica não é disponibilizada no jogo, mas é possível baixar como MOD - expansão produzida por um fã. É interessante notar sua boa representação do transtorno de ansiedade e importante apontar que mesmo que no jogo original não seja possível criar um Sim ansioso, ele pode sim ter crises de ansiedade devido ao alto nível de estresse.)
Esse jogo – tratado como infantil, mas adequado para todas as idades – ensina muitas lições valiosas sobre a vida real (algo que será explorado em maior profundidade em textos futuros), como com o sistema de recompensas ao se cumprir pequenos desejos – isso garante pontos de felicidade, e esses pontos podem ser trocados por habilidades, como fazer amigos mais rápido, limpar mais rápido, conseguir descontos, enfim, coisas que são realmente possíveis de se fazer quando se está de bom humor. Não há como negar que o bom humor facilita muito seu dia; ele se torna aquele dia em que nada dá errado, tudo acontece como você queria, isso aumenta sua felicidade, e quanto mais felicidade, mais positividade, mais pro-atividade, mais chances de sucesso.

Portanto, você pode escolher entre jogar um pouco de videogame e ler um livro agora para, mais tarde estudar, mais feliz, mais calmo. Ou se forçar a estudar - produzir - até estar exaurido. A nota boa na prova pode ser garantida nas duas situações, porém uma delas anula uma possibilidade de se ter um momento feliz.


Além disso, no geral, espelhamos no jogo o que gostaríamos que fosse nossa vida real. Portanto, recomendo a todos jogar um pouco de The Sims e, se você for como eu, que deixa sua personagem exausta de tanto trabalhar, é bom parar e refletir: “Será que só produzir seria realmente a solução de todos os problemas?”.

0 comentários:

Postar um comentário

 
♥ Theme por Maidy Lacerda, do Dear Maidy, exclusivo para Metamorfisa © 2015 • Todos os direitos reservados • Topo