(Arte por: Toby Allen Ansiedade: o monstro da ansiedade é pequeno o suficiente para sentar no ombro de suas vítimas e sussurra coisas em seu inconsciente, despertando medos e preocupações irracionais. O monstro da ansiedade é geralmente visto como fraco em comparação com outros, mas é um dos mais comuns e é muito difícil de se livrar dele. Eles geralmente carregam pequenos objetos conectados às ansiedades de suas vítimas, como relógios que representam um comum, porém irracional, medo de coisas que podem nunca acontecer. Ninguém jamais viu o rosto do monstro da ansiedade, pois ele sempre usa uma caveira como máscara.) |
Fala-se bastante, ultimamente, que a ansiedade é o mal do século. A
ansiedade, o estresse, e todos os outros sintomas do novo estilo de vida que se
estabeleceu nessa era da velocidade. Hoje, dizem, parece que os dias estão mais curtos, não são suficientes para
fazer tudo e, quando finalmente ficamos livres, já é tarde demais, é preciso
dormir, amanhã o dia é mais cheio ainda.
Uma das
coisas que mais contribui com essa ansiedade é o uso exacerbado das redes
sociais. Elas deixam as pessoas mais
dispersas, perde-se, aos poucos, a capacidade de concentração; cresce, no
interior, uma necessidade de responder, ser respondido, ver o que está
acontecendo, postar alguma coisa, dizer que existe, provar sua existência,
fazer qualquer coisa. Além disso, elas
evidenciam o pensamento de culpa constante: “Eu deveria estar fazendo algo
mais produtivo”.
Todos temos consciência de que as redes sociais são,
em geral, improdutivas. Salvo as exceções, a maior parte do tempo que se passa
conectado é, de acordo com essa nova significação de “produtividade”, inútil. As pessoas compartilham: “Eu
devia estar estudando”, “Eu tenho tantas séries para ver”, “Tenho livros demais
para ler, como faço para ler mais rápido?”, “Nossa, estou cheio de trabalhos para
entregar!”. Compartilham o que deveriam
estar fazendo mas não estão, porque em vez de estar, estão compartilhando. Um ciclo vicioso.
O que vemos nessas redes e como isso nos afeta está
diretamente relacionado com nosso modelo de sociedade e com os valores
vigentes. Assim como essa necessidade crescente de ser produtivo.
Desde o fortalecimento do capitalismo como modelo
social e econômico vigente, as pessoas passaram a internalizar que é necessário
estar sempre produzindo, acumulando, trabalhando. O significado disso foi se
alterando através dos séculos, assim como a sociedade e suas particularidades.
Hoje nossa sociedade tem muito acesso à informação e, portanto, ao
conhecimento; o mercado de trabalho está cada vez mais abarrotado, não há
espaço para todos, é preciso se qualificar sempre mais e mais para garantir seu
lugar. Como consequência, as escolas passaram a inundar os alunos com um mar de
assuntos e matérias, focando antes na quantidade
do que na qualidade; também passaram
a estimular a competição, pois, supostamente, os alunos precisam estar
preparados para o que irá se seguir, no “mundo real” vai ser muito pior.
Então a ansiedade se instala.
Tudo isso vêm à tona por meio de noites mal dormidas,
sensações inexplicáveis de desconforto mental, crises de ansiedade,
propriamente. E a vontade incessante de produzir. Produzir o quê? Qualquer
coisa! Um texto, um quadro, um robô, um experimento, um projeto, uma análise.
Qualquer coisa que nos faça sentir que estamos sendo úteis. Para quê? Para a
sociedade, para o nosso futuro, para a possibilidade de entrar no mercado,
ganhar dinheiro, produzir ainda mais. Com
um pingo de esperança, nesse mar de ansiedade, de, um dia, poder não fazer
nada. E não sentir culpa por isso. Ou, como conhecemos popularmente, ter a vida garantida.
Decerto precisamos nos esforçar para garantir
sucesso, se é o sucesso que almejamos. Mas o que ninguém discute é: “Por que
esse sucesso é tão necessário? Tão desejado? O que é esse sucesso?”. De acordo com o Dicionário Michaelis, sucesso significa: “sm (lat successu) 1 Aquilo
que sucede ou sucedeu; acontecimento. 2 Resultado bom ou mau de um
negócio. 3 Conclusão. 4 Êxito, resultado feliz. 5 O mesmo
que parto.” Acredito que a
aplicação mais comum, causa da ansiedade, se deva ao significado de número 4:
“Êxito, resultado feliz”. É importante pontuar que não se diz em que ação isso
deve ocorrer, mas nós temos em mente que se trata de um sucesso financeiro,
esse “sucesso na vida”, e, mais que isso, um sucesso que diz respeito ao
reconhecimento por alguma ação. E só pensamos assim porque esse é um dos princípios
do capitalismo.
Esse modelo econômico e social, tão comum ao redor do
mundo, exige a desigualdade para o seu funcionamento. E demonstra, por meio de
filmes – hollywoodianos, em especial –, por exemplo, que o melhor é ser rico e
reconhecido. Também o faz por meio das músicas pop, pela supervalorização dos
famosos. Quem importa é quem está na mídia, essas são as pessoas que têm algum
valor, e são pessoas que nos acostumamos a ver como especiais, mas no fundo, elas são só pessoas, assim como nós. Muitas
celebridades gostam de enfatizar que são só pessoas comuns, todavia, apesar
disso, ainda não sentimos que eles são comuns,
porque eles não são acessíveis.
Afinal, elas são pessoas que têm muitos fãs, são reconhecidas, elogiadas; é da
natureza humana gostar de receber carinho de algum tipo; é normal ver essas
pessoas recebendo tanta atenção e desejar um pouco disso, de alguma maneira,
seja pelo quadro que você pinta, pela música que você faz, pelo texto que você
escreve ou pela ideia que você teve.
O modo como a mídia noticia as coisas, o fato de as
enxergamos como importantes – porque alguém disse que a mídia é algo além de
“só pessoas que selecionam assuntos arbitrariamente para torná-los de
conhecimento público” e é capaz de ditar o que vale a pena ou não saber – cria
valores, cria necessidades. Valorizamos o sucesso – até mesmo pelas histórias
de pessoas que não são famosas, mas obtiveram algum êxito em suas vidas que foi
considerado importante o suficiente para ser noticiado, como os primeiros lugares
das universidades – estabelecemos qual deve ser o padrão de sucesso, buscamos
esse sucesso. Por ser difícil de alcançar, ficamos ansiosos; por considerá-lo impossível de se ter, a ansiedade
aumenta ainda mais.
O mal do século, portanto, está relacionado a todos
os parâmetros que colocamos sobre nós mesmos e os outros, a todas as
comparações e desejos que nos são, inconscientemente, impostos. Por que muitas
adolescentes desejam ser magras? Porque existem poucas celebridades acima do
peso. E essas celebridades, por estarem tão infiltradas nas mídias cotidianas,
acabam sendo modelo do que “deu certo”, do que “é certo”, do que as meninas
querem ser. Claro que existem exceções. E essas exceções são as meninas que
perceberam que não necessariamente aquilo é bonito, que cada um tem sua beleza
e que não é preciso ser rico, famoso ou reconhecido para ser feliz.
No fim das contas, tudo se resume à questão da felicidade. A ansiedade é fruto do
desejo de produzir, garantir, para,
finalmente, poder ser feliz. Porque é isso que todo mundo quer, ser feliz. Todavia, nossos padrões
da “verdadeira felicidade” podem acabar se tornando altos demais, difíceis
demais, o que pode acabar por enevoar as pequenas felicidades. Perdemos uma
festa, porque a felicidade de obter sucesso na prova do dia seguinte parece ser
superior – e pode ser mesmo. Mas um dia isso pode fazer com que alguém perca
seus amigos, porque a perspectiva do que o máximo de produção e o mínimo de
lazer no momento pode trazer no futuro parece muito mais proveitosa.
Não é errado traçar objetivos e metas de vida, mas é
importante sempre se questionar antes de tomar uma decisão que vise adiar a
felicidade para fazer com que ela seja potencializada no futuro. Porque o
futuro é incerto. Você pode adiar a felicidade para quando você tiver 40 anos e
todo seu esforço de agora for valer a pena, mas acabar morrendo no meio do
caminho. É duro. Todavia é possível. Então, vale a pena?
A comparação que farei agora pode parecer infantil,
ou até ingênua, porém garanto que é coerente e vai ajudar a ilustrar melhor o
assunto: A vida é como um jogo de The
Sims. Nesse jogo, se você não cuidar da sua personagem direito, ela pode
sofrer com diversas consequências. Por exemplo, se você trabalha demais, seu
Sim, mais cedo ou mais tarde, vai ter um surto nervoso – pelo menos nas versões
mais novas. Se você não faz nada para manter suas amizades, elas se esvaem.
Mesmo que você more com alguém, se não houver esforço de comunicação, sua
relação vai se tornar cada vez mais prejudicada.
(Imagem: Sims 4 Updates No caso, essa característica não é disponibilizada no jogo, mas é possível baixar como MOD - expansão produzida por um fã. É interessante notar sua boa representação do transtorno de ansiedade e importante apontar que mesmo que no jogo original não seja possível criar um Sim ansioso, ele pode sim ter crises de ansiedade devido ao alto nível de estresse.) |
Esse jogo – tratado como infantil, mas adequado para
todas as idades – ensina muitas lições valiosas sobre a vida real (algo que será explorado em maior profundidade em textos futuros), como com o
sistema de recompensas ao se cumprir pequenos desejos – isso garante pontos de
felicidade, e esses pontos podem ser trocados por habilidades, como fazer
amigos mais rápido, limpar mais rápido, conseguir descontos, enfim, coisas que
são realmente possíveis de se fazer quando se está de bom humor. Não há como
negar que o bom humor facilita muito seu dia; ele se torna aquele dia em que
nada dá errado, tudo acontece como você queria, isso aumenta sua felicidade, e
quanto mais felicidade, mais positividade, mais pro-atividade, mais chances de
sucesso.
Portanto, você pode escolher entre jogar um pouco de
videogame e ler um livro agora para, mais tarde estudar, mais feliz, mais
calmo. Ou se forçar a estudar - produzir - até estar exaurido. A nota boa na prova pode ser
garantida nas duas situações, porém uma delas anula uma possibilidade de se ter
um momento feliz.
Além disso, no geral, espelhamos no jogo o que
gostaríamos que fosse nossa vida real. Portanto, recomendo a todos jogar um
pouco de The Sims e, se você for como eu, que deixa sua personagem exausta de
tanto trabalhar, é bom parar e refletir: “Será
que só produzir seria realmente a
solução de todos os problemas?”.
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