22 de janeiro de 2016

Culpa de quem?

Da trilogia: Por que as feministas são tão chatas?



O último texto – que pode ser lido aqui – terminou trantando de cultura.

E falando em cultura, as feministas também vieram com essa de “cultura do estupro”. Desculpa esfarrapada, na opinião de muitos, pois é difícil para muitas cabeças masculinas compreenderem que todos os nossos valores estão associados à cultura e que esse termo só foi criado para enfatizar a ligação que existe entre os valores de nossa cultura e o acontecimento de estupros.

Vejam bem, o Brasil, como sabem as pessoas que estudaram História na escola, foi colonizado pela escória de Portugal. Todos que não queriam lá foram enviados para cá, prisioneiros, prostitutas, etc. Pessoas sem educação, sem estudo, sem valores. Eles povoaram nosso país e espalharam por ele suas ideologias retrógradas. É fácil perceber que em um mundo de bandidos e prostitutas (generalizando ao extremo), o estupro não será visto da mesma forma que em uma sociedade bem educada de pessoas que respeitam os direitos umas das outras.

Além disso, não é que ao pé da letra nossa cultura diga “Estuprem, não tem problema!”, mas as pequenas indiretas que ela joga em plena televisão aberta para qualquer criança ver dão isso a entender. Os comerciais de cerveja são um ótimo exemplo. É difícil ver um que seja dirigido ao público feminino, porque mulheres são “delicadas demais para beber, não pode”. Contudo, pode aparecer semi-nua no comercial para promover uma ideia que diz “Beba, e você vai ter uma mulher tão bonita quanto essa da propaganda”. Então o homem bebe, perde parte da consciência, pode estar fissurado com a ideia, que foi sutilmente absorvida por seu subconsciente sem que ele percebesse, vê uma mulher bonita e logo faz a associação. Mas na propaganda ela quis, algo está errado, ela quer sim, só está se fazendo de difícil. Estupro. “A culpa foi dela, que estava em um bar (lugar de homem) àquela hora da noite, em vez de estar em casa assistindo novela”.

Casos menos extremos ocorrem frequentemente em festas, tendo inúmeras mulheres próximas a mim já sofrido, ou quase sofrido, por causa disso. É quase a mesma coisa, o homem bebe, está exaltado, vê uma mulher bonita e acha que ela tem a obrigação de ficar com ele. Como é mais forte, abusa disso e a segura. Se a menina não for corajosa o suficiente para se defender, ou não estiver com alguém por perto para ajudá-la, ela será forçada a fazer algo que não queria. Porque estava usando uma roupa curta, muita maquiagem, estava se insinuando, estava pedindo.

Outro exemplo bem simples é, também, já muito criticado: uma das perguntas que se faz a uma mulher que foi vítima de estupro é sobre a roupa que ela estava vestindo. A crença está tão enraizada que ainda se procura, de algum modo, colocar a culpa na vítima, inocentar o homem; buscam-se desculpas para o ato e se apontam responsabilidades para quem o sofreu.

Quem acha que o feminismo é inútil, conversa de mulher que "gosta de se fazer de vítima", não merece atenção; não vale a pena argumentar com gente que não se compadece com a situação de milhões de mulheres impossibilitadas de tudo só por serem mulheres. Quem acha que as feministas são chatas e não tem razão para lutar talvez não saiba que na China ainda hoje se abortam meninas, porque são meninas. Talvez não veja moças sendo assediadas na rua por causa de suas roupas. E sabe o que mais? Talvez nem tenham culpa.

Crescemos com a ideologia machista sendo afixada em nossas mentes, por isso, a maioria das mulheres só se torna feminista quando é mais velha, porque é só nessa idade que ela percebe o que está acontecendo. E isso também acontece com os homens, mas como, ao crescer, eles não percebem nenhuma diferença no tratamento que recebem, têm dificuldade em olhar para o próximo. Muitos não têm empatia suficiente para se colocar no lugar das mulheres que sofrem abusos de seus maridos, colegas de trabalho, estranhos, então viram a cara e fingem que nada está acontecendo.

Mas aí chegam as feministas chatas e os obrigam a olhar para tudo isso e, nesse momento, não dá mais para ignorar, o jeito é menosprezar abertamente, dizer que é exagero, caluniar o movimento e denigrir sua credibilidade. Pode ser uma tentativa de se sentir melhor; muitas pessoas têm dificuldade de admitir culpa, não gostam de errar. Por isso, é melhor dizer que feminista é mulher desocupada, que não tem louça para lavar, que não tem homem para cuidar, apelar para termos de baixo calão e, enfim, pregar o machismo em toda a sua glória. Pronto, trabalho feito, agora elas devem ficar caladas.

Porém elas não ficam. Essas chatas! Para os homens, é claro, é mais difícil entender o que as mulheres passam, porque nenhum estranho nunca passou a mão na bunda deles quando estavam no ônibus, porque ninguém falou mal deles pela roupa que usou, ou pelo comportamento "indiscreto" que teve. Afinal, homens podem falar abertamente de sexo, masturbação e coisas do tipo, enquanto as mulheres precisam fingir, para os outros e para si mesmas, muitas vezes, que não sabem o que é isso, que não sentem vontade, que não fazem, porque não podem, é feio. Então, as feministas começam a falar sobre isso e, que escândalo, também começam a usar palavrões. Escândalo! Mulher não pode falar palavrão! Por quê? Porque tem que ser delicada, porque é o sexo "frágil", e palavras fortes são o oposto da fragilidade.

Fico muito triste ao ler comentários de homens que dizem que feministas precisam calar a boca, não têm cérebro, etc, pois até parece que eles não têm mães. E pior ainda se tem e elas são de tal modo alienadas a ponto de pensar que não possuem poder nenhum para se defenderem das desigualdades que sofrem, a ponto de se calarem e se conformarem com os pensamentos quase misógenos de seus filhos. Penso mais uma vez naquele dado, ultimamente tão divulgado, de que uma cada cinco mulheres será estuprada. Penso nesses homens que as culpam. E se fossem suas mães? Será que as culpariam? Ou suas irmãs, amigas, namoradas, primas. Tenho medo de homens assim. São eles que, sem perceber, contribuem para que a cultura do estupro continue em vigor, porque ao dizer que é “drama” e “invenção”, eles ajudam a ocultar esses acontecimentos hediondos. Tratando-os como ridículos, fazem com que crimes percam a seriedade e agressores continuem impunes. Por quê? Porque as feministas são chatas.

Na verdade, elas são tão chatas, que muitas se tornam feministas só de teimosia, porque sofreram com o machismo e resolveram se vingar. Muitos homens rebatem os argumentos feministas com a questão da Lei Maria da Penha (que, para quem não sabe, é tanto para homens quanto para mulheres, mas devido à cultura machista em vigor, que estabelece o homem como o “provedor”, o “forte”, poucos homens têm  coragem de se expor à proteção dessa lei, com medo de perder sua masculinidade) e as delegacias exclusivas para a mulher. Acho que eles não sabem que a maioria das mulheres não é levada a sério pelos policiais quando vai dar queixa, ou que – apesar de isso já estar mudando – essa lei, assim como a maioria das outras em nosso país é falha e é desobedecida. É preciso de muita coragem e um bom advogado para acionar a justiça em seu favor, porque as feministas são tão chatas, as mulheres são tão dramáticas, que é difícil acreditarem em seus relatos.

Esses homens, que reclamam que as mulheres já são protegidas demais pela lei, deveriam saber que, apesar de todos esses “privilégios” (que certamente não existiriam se não fossem necessários, pois a criação de uma lei que não possui aplicação é algo impensável), 68% das vítimas de violência doméstica não denunciam seus agressores. Por medo. Sendo assim, em seus próprios lares, que deveriam ser sinônimos de acolhimento e aconchego, sofrem, sentem desconforto, mas porque a sociedade não as leva a sério, não têm coragem de lutar para mudar a situação.


Amar é respeitar e tratar o outro como seu igual. A sociedade precisa parar de fingir que é “natural” ou “aceitável” um homem violentar sua mulher porque ela “se comportou mal”. Na verdade, não se deve sequer criar justificativas para isso. A violência doméstica é uma realidade. A cultura do estupro é uma realidade. A tentativa de justificar os atos das pessoas que cometem tais crimes é uma realidade. Precisamos, agora, enfrentá-las. Precisamos abrir os olhos.

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