O texto original ficou muito grande, então vou dividir esse assunto em três partes, pois quero evitar quaisquer problemas. Ainda pretendo falar mais sobre isso no futuro, quando tiver mais ideias e conhecimentos a agregar nesse âmbito, afinal, esse é um assunto delicado, com muitos pormenores, que não dá para discutir de uma só vez.
Introdução
Uma das razões para esse assunto estar cercado de
tabus e preconceitos é porque ainda existe muita gente que acredita que o
feminismo não serve para nada, que são mulheres querendo ser superiores e,
acima de tudo, mulheres chatas. Assim como ocorre com todos os movimentos de
minorias, o feminismo também é vítima de inúmeras calúnias e casos de
extremismos dentro do próprio grupo - e apesar de não ser tão extrema em minhas
ações, tenho certeza de que se não fosse por elas não haveria tanta atenção
voltada ao movimento, portanto, são necessárias.
Antes de mais nada, temos que começar clamando para
que se perceba a inutilidade desses desentendimentos dentro do próprio grupo.
Vejo muitas feministas que se acham superiores porque fazem parte do movimento
há mais tempo, porque são mais velhas, etc. Para tudo funcionar melhor,
acredito que a proposta deveria ser mais didática e em vez de menosprezar as
"novatas" na luta por seus direitos, as que conhecem melhor o
movimento poderiam ensinar mais sobre como elas podem colaborar, compartilhando
materiais e informações.
A organização e solidariedade dentro do grupo são
essenciais para alcançar ainda mais objetivos, pois quanto mais mulheres
estiverem informadas e se sentirem parte dessa luta, se sentirem irmãs umas das
outras, mais força teremos para lutar. Se você acha que uma menina não pode ser
feminista porque é muito nova, seus conceitos precisam ser revistos
urgentemente, afinal, as crianças sofrem tanto com o machismo quanto as
adultas. Sofrem porque precisam ser delicadas, brincar de Barbie, usar rosa,
são “frágeis”, precisam de “mais cuidados”. O machismo é ensinado desde cedo e
é nessa idade que deve ser combatido, para que mais mulheres cresçam
conscientes de sua força e capacidade.
E mais uma coisa, as próprias mulheres precisam parar
de associar a palavra “feminismo” a algo ruim. As feministas não são
“invejosas”, ou mulheres desocupadas e infelizes, como tentam pregar por aí.
São apenas mulheres que não querem aceitar a situação de desigualdade à qual
são submetidas. E não é preciso ir muito longe para se identificar com isso, é
só pensar em todos os abusos verbais que você já pode ter sofrido só por ter
decido usar decote certo dia, ou uma saia muito curta, ou por ter ficado com
muitos meninos em uma festa.
Além disso, precisamos parar de pensar que as
feministas precisam ser masculinas, não usar sutiã, etc. Muitas feministas
andam arrumadas, e quando o fazem (esse é o único diferencial), o fazem para si
e não para chamar a atenção dos homens. Elas usam as roupas que as deixam
confortáveis, a despeito do que os outros podem pensar, pois em um mundo
igualitário, se um homem pode sair sem camisa e essa atitude ser associada ao
calor, uma mulher deveria poder sair de top – ou mesmo sem camisa também – e
ocorrer o mesmo. Então parem de tentar associar o feminismo a coisas negativas.
O movimento nada mais é que a luta pela
igualdade (e não superioridade, como muitos também afirmam) entre os sexos.
Chatices
Agora sim, vamos ao que interessa. Por as feministas
são tão chatas? Porque tudo o que
incomoda é chato. E, geralmente, o que mais incomoda é a verdade,
escancarada e gritante para todo mundo ver. Incomoda ler todos os dias na
timeline do Facebook relatos de meninas que sofreram abusos no ônibus, no
metrô, na rua, porque estavam usando uma roupa curta, porque tinham colocado
muita maquiagem, porque eram bonitas, porque eram mulheres. É chato mesmo ver que
em pleno século XXI as pessoas ainda têm coragem de culpar a mulher pelo
estupro e, pior ainda, enterram as ideias machistas tão profundamente em suas
cabeças que muitas delas também se culpam. Realmente, é muito incômodo saber
que uma em cada cinco mulheres será estuprada e que, na maioria das vezes, o
agressor sairá impune, porque a culpa foi dela, que nasceu do "sexo
frágil". Esse termo sozinho, inclusive, consegue ser também muito chato.
Por que fragilidade e mulher estão associados, em vez de força e mulher, poder
e mulher?
Isso já é histórico, devido à sua força física
biologicamente inferior a dos homens as mulheres sempre foram subjugadas,
contudo, foi em um momento específico que tudo piorou. Nesse momento, as
mulheres foram proibidas de tudo, até, e principalmente, de sentir prazer. E é
por isso que, desde a Idade Média até (infelizmente) os dias de hoje, ainda se
olha feio para mulheres que falam abertamente sobre sexo, que se relacionam com
muitos homens. Então, por muitos séculos, as mulheres foram produtos de troca,
os dotes surgiram, os casamentos arranjados, e nenhuma delas podia opinar,
apenas aceitar em silêncio.
Foi preciso que a sede do capitalismo por mais mão de
obra chamasse, na Revolução Industrial, para que as mulheres fossem permitidas
de sair do âmbito familiar para começar a trabalhar. Trabalhavam como os
homens, mas a situação estava longe de ser a mesma para ambos. As mulheres
ganhavam menos e, mesmo séculos depois, já com a Terceira Revolução Industrial
em andamento, é vergonhoso saber que isso não mudou – no Brasil, homens ainda
ganham aproximandamente 30% a mais que mulheres de mesma idade e nível de
instrução, como mostra essa pesquisa realizada pelo Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID) .
Naquela época de extrema desigualdade social, quando ter um carro ainda era um
luxo e estudar era impensável para os menos afortunados, as mulheres sofriam.
Hoje, com o acesso à educação muito maior em comparação, é triste ver quantas
coisas ainda são iguais, quantas mulheres estudam tanto para tirar 10 e ganhar
o mesmo que um homem que só tirava 5.
Mas pelos menos existem mulheres que podem estudar.
Reclamamos de boca cheia aqui no Ocidente, pois é só olhar para a situação das
mulheres no Oriente Médio que vemos que a luta das feministas ainda tem um
longo caminho a trilhar. Muitos homens argumentam que deveríamos, então, ir
pregar o feminismo lá no Oriente, como se fosse a coisa mais fácil do mundo,
como se não significasse risco de vida real para qualquer mulher que se
atrevesse. Quando se está em uma situação de poder, olha-se com dificuldade
para os “inferiores”, pois muitas vezes não se consegue colocar em sua situação.
Alguns homens se revoltam tanto
com nossas reclamações que acham que se pode menosprezar o sofrimento de uma
mulher abusada verbalmente no Ocidente porque se fosse no Oriente ela seria
apedrejada. As culturas são diferentes, as realidades são diferentes. É fácil
falar isso quando se é homem e só se faz reclamar dessa luta, porque nesse caso
não é preciso levar em conta todo o trabalho real que daria se as feministas
realmente se arriscassem a pregar no Oriente e tentar ajudar as irmãs desses
países. Essas mulheres vivem em um mundo completamente alheio ao nosso, onde a
religião domina e o machismo dita as regras. Sim, para nós ocidentais a vida é
um pouco mais fácil, nenhuma mulher aqui vai ser alvejada em praça pública por
trair o marido. Mas toda dor é dor, não se pode ver uma em detrimento da outra
só pelo fato de parecer menos séria.
As mulheres do Ocidente
se preocupam com as mulheres do Oriente; infelizmente não é só pegar um avião,
pousar em um país árabe, por exemplo, e começar a queimar sutiãs. A não ser que
você queira ser morta. A nossa luta começou há anos, porém a delas ainda é
recente, porque os princípios religiosos ainda vigoram lá com muita força - e a fé religiosa é uma das forças mais poderosas do mundo –, portanto, não é da noite para o dia que essa fé se esvairá
a ponto de, como aconteceu aqui, começar a abrir espaço para as mulheres
possuírem papeis mais dignos na sociedade. Infelizmente, ainda serão precisas
outras Malalas para que a história dessas mulheres possa mudar. Seria bom se
fosse fácil, entretanto, se o fosse, as coisas não estariam assim hoje.
Por isso, os homens que
utilizam esse tipo de argumento precisam entender que da mesma maneira que
(exemplo banal) tratar bem os convidados é um valor intrínseco à sociedade
brasileira, especificamente, na cultura desses países é o tratamento das
mulheres como inferiores, tanto que elas próprias o interiorizam, muitas o
defendem. Alienação? Quase. Se chama cultura.
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